Hoje vou narrar a lenda da maldição dos Lupinos como a família conhece,
mas antes quero tecer uns comentários.
O Lupino é um grão do
tremoceiro (tremoço), uma planta leguminosa e fértil com flores variadas. Seu
nome deriva do árabe Al-Turmus, significando “em água muito quente”; em grego
Thermós. A primeira documentação de seu nome foi escrita e registrada como Altarmuz na literatura e as primeiras referências a esta planta surgiram no Egito há cerca de 4.000 anos. Foi introduzida na Itália da mesma forma que a seda, através da Rota da Seda. Os segredos Lupinos apareceram junto com os mistérios do bicho da Seda na Itália.
Em português é chamado Tremoço, em italiano é
chamado Lupino, em castelhano é chamado Entremoço ou Atramoz, uma vez que o
norte conservou o romance llobí de lŭpīnus. Na Espanha é conhecido também por
Altramuz, Tramúz e Chocho. O tremoço pertence à família Fabaceae e à espécie
Lupinus. Nos sites de Portugal essa lenda pode ser encontrada como a maldição do tremoço, porém, narrada de forma incompleta.
O tremoço é utilizado na alimentação humana e na alimentação
dos animais, no enriquecimento dos solos, na indústria farmacêutica e na fito
remediação e tem grandes propriedades regenerativas, de cura, porém, os ocidentais
pensaram que os tremoços eram péssimos para a saúde devido aos resquícios na
memória de uma lenda repetidamente ouvida desde os tempos de criança em que
teriam sido amaldiçoados pela Nossa Senhora Maria mãe de Jesus.
Família sagrada fugindo dos soldados de Herodes no Egito |
A LENDA DA MALDIÇÃO DOS LUPINOS
Há mais de dois mil anos atrás, Maria e José
estavam fugindo para o Egito, a fim de esconder seu filho dos soldados de
Herodes.
Conta-se que o burrinho começou a perturbar Maria e
ela pediu aos Fetos que eles prendessem o burrinho. Mas os Fetos não atenderam
ao pedido dela.
O burrinho é um besouro do gênero epicauta, cuja
excreção causa bolhas na pele humana devida uma substância causticante
conhecida como cantaridina, e o Feto é uma espécie de samambaia, só para que
vocês não se percam na narração.
Então Maria pediu às Silvas para cercarem o
burrinho e prontamente seu pedido foi atendido. Maria abençoou as Silvas para
que dessem frutos saborosos os quais todos os pastores iriam se fartar,
enquanto ao contrário os Fetos nasceriam com a cabeça torta. Os Fetos foram
amaldiçoados antes dos Lupinos.
A cada ruído que ouviam por menor que fosse como o
cair de uma folha ou o rastejar de um pequeno réptil julgavam ouvir os passos
dos soldados de Herodes. Procuravam, portanto evitar os caminhos mais
transitáveis e atravessavam por sítios e por onde não deixassem pegadas que
poderiam denunciar sua passagem.
A certa altura da caminhada embrenharam-se por um
campo de tremoços. Como se sabe o tremoceiro quando está seco, e ainda com o
tremoço dentro da vagem faz um barulho dos demônios comparável ao de um enorme
rugido.
Ao atravessarem o tremoçal, o barulho era de tal
ordem que, Maria, com dor e receosa, a quem o medo tornava impaciente, teria
dito para José:
— Estas malditas ervas fazem tanto barulho, que, se
os soldados passarem por aqui perto, vão ouvir e seremos apanhados.
Depois, dirigindo-se aos tremoços, disse:
— Ó ervinhas, peço-vos que não faças barulho, senão
sereis amaldiçoadas e o vosso fruto não matará a fome a ninguém, por mais que
comam.
Os Lupinos ouviram Maria chamá-los primeiro de
“estas malditas ervas”, e depois chamou-os de “ó ervinhas!”. Os Lupinos não
atenderam ao pedido de Maria e ela não entendia o porque seu pedido não foi
atendido.
Em certa altura da jornada, ouvia-se o barulho
arrastado entre as searas, e eles diminuíram sua marcha. Maria perguntou a si
mesma se estava sendo seguida, mas não avistava ninguém.
Caminharam mais um pouco e o ruído se repetiu.
Então José olhou ao seu redor e perguntou a Maria: “Alguém que nos persegue se
aproxima por entre as colheitas?” - Um silêncio mortal tocou o ar e não houve
nenhuma resposta, apenas o estranho ruído dos Lupinos agitados pelos ventos.
Então, Maria se enfureceu e percebendo que os
Lupinos não haviam atendido seu pedido, os amaldiçoou dizendo: “eu vos
amaldiçoo Lupinos, para que jamais farteis quem quer que se alimente de vós. Se
for comido seco, empeçonharás quem os comer, liberará um gosto amargo e não
serás apreciado por ninguém. Se for batizado com água e sal, não satisfará a
fome de ninguém. Guardará sua riqueza interna junto com seu sabor sobre um
invólucro que será tão duro quanto o ferro, suas flores serão lindas e
assassinas, por mais que suas raízes sejam férteis e não lhes deixem ser
extintos da face da terra. Não gostarás de ser enterrado, pois sempre tornará à
superfície, e assim não serás semeado, mas sim jogado à terra e terá de escolher
como se agarrará nela! E este será teu fardo daqui pra frente!”
Desde então, afirma o povo antigo que os Lupinos
deixaram de matar a fome.
O fato é que esse fruto é muito apreciado como
aperitivo nas festas de batizados e casamentos, pois não engorda e ajuda
combater muitos males do organismo. A maldição de Maria pegou e ele não saciou
o apetite de ninguém até hoje, quanto mais se come, mais se quer comer sem
nunca sentir o estômago cheio.
Da família das favas e ervilhas, o Lupino se tornou
o fiel companheiro da cerveja fermentada desde tempos longínquos. O
tremoço-lupino é um verdadeiro petisco tradicional injustamente votado a alguma
indiferença perante o carisma de uns pistácios ou até de uns amendoins.
É que nutricionalmente este modesto bago amarelo
está quase ao nível de um bife. Tem três vezes mais proteínas e duas vezes mais
fósforo do que o leite de vaca. E mais: é rico em fibras, vitaminas do complexo
B, cálcio, potássio, ferro, vitamina E e ómega 3. E ainda mais: o seu reduzido
teor em amido converte-o num aliado nada desprezível no controle dos níveis de
açúcar no sangue e um ótimo companheiro das dietas. As suas propriedades
cicatrizantes estimulam a renovação das células da pele. É um verdadeiro
elixir!
Os egípcios deviam sabê-lo, consumiam a semente do
tremoceiro há pelo menos três mil anos antes de Cristo. Atualmente a Austrália
é o maior produtor mundial.
Além da Itália, são também apreciados em Portugal e
em toda a América latina além de alguns países da bacia do Mediterrâneo, mas
hoje em dia há produção dos Lupinos no mundo todo.
Campo de Lupinus - também chamado de Tremoçal |
ALGUNS MISTÉRIOS DA ARTE DOS LUPINOS
A maioria das pessoas não sabem que os tremoços que
comemos, foram primeiramente cozidos e depois cobertos de água mudada com
frequência por diversos dias até perderem o seu amargo original, e só então é
que se adiciona água e o sal.
Se não houver este procedimento, são completamente
intragáveis e altamente tóxicos.
Esse amargor é devido à
presença de vários alcaloides como a anagirina (usada como cardiotónica e
teratogênica), a esparteína (usado como ocitócico e antiarrítmico) a lupanina,
(influenciando os centros respiratórios e vasomotores), a luteona e a wighteona.
A intoxicação identifica-se
por náuseas, vômitos, tonturas, dores abdominais, mucosas secas, hipotensão,
retenção urinária e taquicardia.
Esta toxicidade desaparece
após a fervura e o demolhar por vários dias, torna o tremoço doce e um alimento
de eleição beneficiando as pessoas e animais que se alimentam dele.
O tremoço também é um
excelente adubo verde quando enterrado porque tem a faculdade de fixar o
nitrogênio do ar, apesar de voltar para a superfície, absolutamente necessário
para o crescimento de novas plantas o que o torna também responsável pelo
aparecimento de novos ecossistemas. As suas raízes conseguem descompactar e
reduzir a erosão dos solos, ajudando à infiltração de água. Ótimo para melhorar
a estrutura física dos solos. É resistente às geadas e gosta de invernos úmidos
e verões secos, e para descobrir mais sobre os mistérios da fertilidade é
necessário conhecê-los por dentro e por fora e claro, ser um amante da
culinária do bago do lobo.
Sett Ben Qayin