Este artigo foi originalmente publicado na revista The Cauldron, edição IX na primavera de 2006. É reproduzido aqui com autorização expressa dada ao Sett Ben Qayin na mesma época.
William Blake's illustration of Lucifer as presented in John Milton's Paradise Lost |
Esperamos que a maior parte de nossos
leitores sejam adultos o suficiente para perceber que Lúcifer, o Portador da
Luz, ou Lord Lumiel, como é conhecido na tradição esotérica, não é o Satanás
Cristão, embora seus mitos se sobreponham e tenham sido confundidos através das
eras. Aqueles que não podem aceitar esta premissa façam o favor de não seguir
adiante na leitura deste artigo, pois ele não é para você. O mito da expulsão
de Lúcifer do Céu dada à recusa em se curvar para criação de Yahweh, Adão, foi
distorcido pelas primeiras Igrejas. Eles costumavam criar um truque satânico
para assustar o povo rural que ainda adorava os Deuses Antigos para
convertê-los e controlar seus próprios seguidores através do medo.
No relato bíblico a revolta de Lord Lumiel
contra Yahweh, foi derrotada por um exército angelical comandado pelo Arcanjo
Miguel ou Michael na Batalha do Céu. Como resultado, Lumiel e seus anjos
rebeldes - agora designados como 'anjos caídos' – foram lançados para baixo.
Lumiel- Lúcifer, que havia sido o Logos Solar, se tornou o regente planetário
da Terra ou Senhor do Mundo (Rex Mundi) e o Senhor Miguel o substituiu como
arcanjo do sol.
Em um recente artigo escrito pela bruxa
tradicional australiana Rosaleen Norton, publicado na revista Dragonswood (Samhain/Yule
2005), a Dra. Marguerite Johnson da Escola de Humanidades na Universidade de
Newcastle, Austrália, disse o seguinte ao mencionar a devoção de Rosaleen à
Lúcifer: 'Na lenda Judaica, Sammael [sic], o gêmeo do arcanjo Miguel criticou a
criação de Deus, a humanidade, e foi banido do Céu. Enviado para atormentar seu
povo [meu sublinhando], ele adotou o nome de Lúcifer, e travou uma guerra
constante conosco. Devido ao interesse de Rosaleen em Kabbalah, não é
surpreendente que sua interpretação da figura seja similar à herança Judaica
como oposta à Cristã. Em uma versão da sabedoria Cabalística, Lúcifer é ligado
à humanidade desde que ambos experimentaram uma queda; ele, do Céu e nós, do
Paraíso. Rosaleen retratou Lúcifer de acordo com sua mitologia, não o adorando
como o Diabo, mas reconhecendo-o como o adversário do gênero humano. Ele nos
relembra da razão de estarmos aqui e assim atua como uma medida psíquica de
redução do ego.’
Os comentários da Dra. Marguerite Johnson,
de que Lúcifer haveria caído para a Terra para 'atormentar seu povo' e de que
ele teria 'travado uma guerra constante conosco' inocentemente compra a
propaganda da Igreja, confundindo o Portador da Luz com o Satanás Cristão. Isto
é ligeiramente reclamado através de sua referência a uma versão do mito
Cabalístico que liga Lord Lumiel à expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden.
Esta relação é fortalecida pelo fato de que a serpente no mito edênico era Lord
Lumiel disfarçado. Seu objetivo era o de iluminar os primeiros humanos para a verdadeira
natureza do universo, que deliberadamente estava sendo bloqueada deles por
Yahweh. Como Lord Lumiel busca a redenção e restauração de seu legítimo lugar
na ordem cósmica, da mesma forma os humanos que despertaram do sono do
materialismo em busca da evolução espiritual para escapar do ciclo da morte e
renascimento e alcançar a união com o Godhead (N.T.: literalmente, Cabeça de
Deus) – a meta última do caminho mágico.
É ensinado na tradição Luciferiana de que
assim como a humanidade evolui (lenta e dolorosamente), da mesma forma Lord
Lumiel passa por fases de redenção. Para ajudar neste processo, ele e seus
leais anjos guiam e ensinam humanos selecionados que são simpatizantes da sua
mensagem. O Portador da Luz também toma periodicamente formas humanas e encarna
na Terra como um avatar, para acelerar a evolução da raça humana. Isto está
simbolicamente refletido no antigo mito do “rei divino”, tão amado aos modernos
neo-pagãos, embora poucos - se é que algum deles - possa entender seu
significado esotérico como ensinado na tradição Luciferiana.
A Dra. Marguerite também menciona a crença
de que Samael/Lumiel era o irmão gêmeo de Miguel. Em um artigo na revista Inner
Light (Equinócio de Outono, 2005), um dos correntes membros da Society of the
Inner Light, Paul Dunne, compara Miguel a Cristo - e com Lúcifer. Ele afirma:
'Quem é Lúcifer senão o irmão angelical de Cristo?' Ele adiciona que Jesus,
Miguel e Lúcifer são os Arcanjos Ben Elohim ou 'Filhos de Deus'. O Cristo e
Lúcifer ele declara 'representar as Potências Cósmicas que estão envolvidas em
uma Guerra Eterna que ocorre sobre a Terra, dentre os Céus. Esta guerra é
refletida dentro de aspectos correspondentes ao homem e à mulher na Terra. O
homem e mulher são compostos de Potências Opostas da Guerra Divina.' (Talvez,
esta seja, consequentemente a tal batalha dos sexos? Não se preocupem senhoras,
Lúcifer está a seu lado. Afinal ele ensinou Eva, e não aquele trapalhão do
Adão!). Esta identificação do Cristo com Lord Lumiel é significativa. Nos anos
50 e 60, minha primeira professora de ocultismo, Madeline Montalban, fundadora
da Order of the Morning Star, ensinava aos seus estudantes avançados de que
Jesus era um do avatares de Lumiel. Esta é a razão do livro bíblico O Livro das
Revelações ser descrito como “o brilho e a estrela matutina”, um dos símbolos
de Lúcifer.
Paul Dunne também parece aceitar a versão
Cristã de Lúcifer como um ser do mal e o vê como a representação do baixo self.
Isto é, de fato, uma completa distorção dos princípios Luciferianos. Lord
Lumiel como o Portador da Luz representa as metas da liberdade dos instintos
básicos de nosso self animal e primitivo, o alcance da gnose (conhecimento
divino) e em última instância, esclarecimento espiritual. Como o Senhor do
Mundo, ele está intimamente conectado com o progresso, em todos os níveis, da
espécie humana e do nosso destino neste planeta. Só através dos nossos esforços
ele pode alcançar redenção e restauração.
A Dra. Marguerite Johnson se refere ao
papel de Lúcifer como um adversário do gênero humano. Novamente, isto é um
conceito aberto à incompreensão feita por aqueles que possuem nem tão discretas
intenções de enegrecer o nome do arcanjo rebelde. A definição da palavra no
dicionário é 'oponente, antagonista, inimigo' e é ligada ao significado adverso
de 'expressando oposição ou antítese'. Lord Lumiel não é o inimigo dos humanos,
mas naquele contexto específico ele é o adversário de Yahweh. Pela recusa de
curvar-se ao ser humano mortal porque ele (Lumiel) era angelical e um 'Filho de
Deus', ele se opôs ao desejo de um deus tirânico do Velho Testamento, e deste
modo, se tornou um inimigo da ordem cósmica. Na tradição Luciferiana, Lord
Lumiel, como o adversário ou oponente, é visto de um modo totalmente diferente.
Ele desafia os preconceitos, a ignorância e falsas crenças dos homens e
mulheres, para que assim eles possam literalmente, ver a luz. Portanto o
Portador da Luz guia os indivíduos ao caminho da gnose sem a intervenção de um
sacerdócio. No culto de bruxaria medieval isto era simbolicamente representado
pela tocha incandescente entre os chifres do Bode do Sabbath.
Este papel de adversário pode ser visto no
Velho Testamento, onde uma ordem de anjos conhecidos como 'satans' (de onde a
Igreja conseguiu o nome singular 'Satanás’ para o princípio supremo do mal, o
qual obteve emprestado da heresia dos Maniqueístas), que são empregados por
Yahweh para tentar e testar seus teimosos seguidores. Um exemplo clássico deste
processo é registrado no Livro de Jó. No Novo Testamento um destes satans,
agora identificado com o Satanás, visitas Jesus no deserto e o tenta. Ele
oferece a Jesus o mundo, tradicionalmente a criação de Deus, e ele só poderia
fazer isto se ele fosse o Senhor do Mundo. Se nós aceitarmos que Jesus foi uma
encarnação de Lúcifer, então ele está desempenhando o papel de adversário
contra ele mesmo, no último teste.
Lumiel-Lúcifer como o adversário não é uma
figura sinistra ou do mal, que 'atormenta' as pessoas ou que guerreia contra a
humanidade. Ao invés disto ele é o Portador da Luz que oferece esclarecimento e
iluminação para aqueles que o veneram. Sua rebelião contra o falso deus tirano
pode então ser vista como parte do plano divino para o universo. Certamente ele
não tem nada a ver com o princípio imaginário do mal cósmico inventado pela
Igreja para controlar e reprimir as massas. Infelizmente por séculos, a
natureza verdadeira de Lúcifer foi obscurecida e humilhada pela superstição e
ignorância. No princípio do século XXI, quando há a ameaça de destruição de
nosso planeta pelas forças anti-Luciferianas do materialismo, o tempo é certo
para que sua luz brilhe uma vez mais.
Leitura
adicional: The Pillars of Tubal Cain, de Nigel Jackson & Michael Howard e
The Book of Fallen Angels, de Michael Howard, ambos publicados pela Capall Bann
do Reino Unido, que são guias modernos e completos para a tradição Luciferiana.
Por
Michael Howard
Nota Biográfica: O escritor tem sido o
editor da The Cauldron desde 1976 e escreveu mais de vinte livros sobre runas,
medicina herbanária, folclore, magia e Mistérios da Terra. Ele era um membro da
Order of the Morning Star e iniciado na Wicca Gardneriana nos anos 60. Ele
também foi iniciado no clã de bruxaria tradicional conhecido exteriormente como
Cultus Sabbati.