sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ENOS LASES IUVATE





O Lar da Mãe dos Lares – Parte 1

A palavra Lar é uma corruptela de Lareira, local sagrado onde se aquecia e se obtinha conforto desde tempos longínquos. Um lugar onde se podia “estar” o tempo todo sob a tutela do fogo, e com isso se tornou residência, da qual a Lareira foi o primeiro altar.

Símbolo da vida em comum, da união dos que se amam, do amor, da conjunção do fogo com seu receptáculo, o Lar foi e ainda é um centro solar, que aproxima os seres, por seu calor e sua luz.
Além de ser o local onde se cozinha a comida, a Lareira é o centro de vida, de vida dada, conservada e propagada, e por isso foi sempre honrada em todas as sociedades.

O Lar tornou-se um santuário onde se pede a proteção de Deuses e Santos, patronos ou devocionais, local onde celebra-se seus cultos e guardam-se as imagens sagradas, tanto em quadros na parede quanto em altares domésticos, ou simplesmente um cantinho especial próprio para orações designado pelos donos do lar. O costume de celebrar cultos dentro de casa também foi observado nos anos 70 e 80 até mesmo pelos evangélicos que se reuniam para o culto a Deus, no Lar de cada membro, pois não havia tantas igrejas distribuídas nas cidades nem pastores suficientemente a fim de arrebanhar todas as ovelhas, mas sim, havia o sentimento de culto e celebração, e o melhor e mais seguro lugar a ser realizado, foi o Lar.

A Mãe dos Lares

O costume de fazer culto à uma divindade dentro de casa é muito antigo, como veremos mais adiante.

Segundo as concepções dos Maya-Quiché, a luz do lar exprime a materialização do espírito divino, como a luz de uma vela representa a alma de um morto.

O Lar Familial tem o papel de centro ou umbigo do mundo em inúmeras tradições. Torna-se então, com freqüência, altar de sacrifícios. É esse o caso entre os buriatas, que o enfeitam com fitas multicores arranjadas segundo a direção dos pontos cardeais. A mesma concepção é encontrada na Índia. Entre certos povos siberianos, como os iacutos, as oferendas são feitas por intermediário da lareira, às divindades celestes. De acordo com a palavra de Prikonski, o fogo serve nessa ocasião de porta.

Na história romana e etrusca, Mania (ou Manea) foi a Deusa dos mortos. Ela governou o submundo juntamente com Mantus. Mania era a mãe dos fantasmas, dos mortos-vivos , e outros espíritos noturnos, bem como os Lares e os Manes. Mania, tanto em grego como em latim é uma palavra que deriva de “Torta”, significando “homens que pensam”. Cognates trouxe do grego a palavra “Menos  que significa "vida"ou "vigor", mas parece encontrar maior significado em Avestan com a palavra “Mainyu”, significando "espírito".

A mãe dos Lares, também conhecida como Larum Mater, foi identificada por Varro com a cthonica Mania, contudo, ela foi facilmente identificada com qualquer um dos vários pequenos deuses romanos, uma vez que ela aparece duas vezes nos registros dos Irmãos Arval como Larum Mater, em outros lugares como Mania, Vesta e Larunda. Ovídio a chamou de *Lara Muta e Lara Tacita, sendo Muta, a muda; e Tacita, a silenciosa.




Não podemos deixar de mencionar seus limiares com os Lêmures e os Pênates. As aparições fantasmagóricas e assustadoras, tomadas por almas dos mortos, os Manes da família, que vêm atormentar entre os vivos os inimigos da família, com suas próprias inquietações, encontravam intervenções conjuradas por sabás, ritos próprios e festas anuais descritas por Ovídio nos Fastos, as Lemúrias. Os Lêmures são as sombras dos antepassados, que povoam as lembranças e os sonhos, assim como tantas reprimendas endereçadas à consciência humana pelo subconsciente.

Bernard Frank assinala igualmente a crença japonesa em gênios, tais como os Lêmures, sendo espíritos infernais, com aparições fantasmagóricas que assombram os homens.

Os Pênates vem pertencer a mesma classe dos Lêmures, porém, com a diferença de ter sido uma pessoa má em vida, e por isso ganha o cadeado na tumba, donde dali não podem sair sem ter sido convocado por um parente. O Pênate é um espírito perigoso justamente por ser incontrolável ou praticamente inegociável quando solto e é por esta razão que os Pênates são quase ou parcialmente deixados no esquecimento, sendo lembrados apenas numa única ocasião por ano, ocasião essa, da qual podem escolher entre continuarem Pênates ou se tornarem Manes e se submeterem a regra Lare de Matres Larum. Quando digo do caráter inegociável, me refiro a uma conjuração onde não se obtém os favores dos Pênates, dado o insucesso da obediência, ou seja, um Pênate não troca favores com nenhum conjurador e ainda pode se voltar contra quem o chamou.

Templo de Vesta

O culto à Matres Larum foi conhecido graças aos fragmentos dos ritos Arvais para Juno Dea Dia, a senhora da fecundidade, que a identifica com o princípio supremo do sexo feminino. A mãe dos Lares é abordada apenas como Matres Larum, e à ela é dada uma refeição sacrificial (cena matri Larum) de mingau contido em um sagrado pote de barro banhado ao sol. Orações são recitadas sobre o pote, que é então jogado para fora da porta do templo, descendo a encosta em que o templo está, assim foram as observações de Lily Ross Taylor, para a terra como uma típica oferta cthonica. Em outra ocasião, os Arvais ofereciam recompensa em forma de sacrifício a várias divindades para uma poluição necessária do bosque sagrado da Deusa. À Larum Mater era dada duas ovelhas e os Arvais também chamavam seus filhos, como consta nas primeiras linhas do Hino Arval da Deusa, que começa com “Enos Lases iuvate”, ou seja,"Ajuda-nos, Lares".

A Larum Mater foi oferecido culto juntamente com os Lares durante o festival de Larentalia, de acordo com Macróbio (floruit 395-423 a.D.), durante a Compitalia. Ovídio interpretou poeticamente o que pode ser uma variante de seus ritos à margem do Feralia: uma velha mantêm a postura agachada entre um círculo de mulheres mais jovens e costura uma cabeça de peixe. Ela esta lambuzada com uma gordura específica e penetra o círculo, e enquanto assa o peixe, avisa que este ato liga línguas hostis ao silêncio. Ela invoca, portanto, Tacita. Se, como propõe Macróbio, o Lêmures são formas insaciáveis e malévola de Lares, em seguida, eles e sua mãe também encontram sua passagem em Lemuralia, quando os Lêmures vagabundos e mal-intencionados (Pênates) e as larvas devem ser aplacados por uma fórmula secreta juntamente com libações a meia-noite numa nascente de água e recebem ofertas de feijão preto, cuspidos da boca do paterfamilias no chão da domus.


 
Varro (116 aC - 27 a.C.) acreditava que a Deusa e seus filhos atendiam originalmente como Sabine, e nomearam-na como Mania, o nome é usado por autores romanos posteriores, com o sentido geral de um "espírito maligno". No século 2 d.C., de acordo com Festus, algumas babás usaram o nome de Mania para aterrorizarem as crianças a fim de tornarem elas mais obedientes. Macrobius aplicou o figurino de lã (maniae) pendurado em santuários nos cruzamentos ou encruzilhadas durante a Compitalia, pensado para ser substituições aos antigos sacrifícios humanos, uma vez realizado no mesmo festival e suprimido pelo primeiro cônsul de Roma, L. Junius Brutus.

Os registros conhecidos ligado a Larum Mater são insuficientes, tardios e poéticos, podendo ser conhecidos pela única fonte, Ovídio (Fasti II, 571 e ss), que identifica-a como uma ninfa outrora loquaz, de nome Lara, que teve sua língua cortada devido uma traição do segredo de Júpiter. Lara tornou-se assim Muta (sem palavras) e foi exilada do mundo da luz do dia para a morada do submundo dos mortos (Manes ad), um lugar de silêncio (Tacita). Ela foi guiada por Mercúrio e penetrada por ele durante a viagem. Seus filhos são tão silenciosos ou mudos como ela.

Se sua natureza de Mãe se liga aos Lares na Terra, que, de acordo com Taylor, são os espíritos dos mortos, e sua mãe possui um aspecto escuro ou terrível de Tellus, aqui, Vesta (o Santo Espírito representado pelo fogo doméstico) se torna Terra Mater devido o caráter ctonico da morada dos mortos no submundo.

Acca

Os Lares e Larum Mater são antigas divindades etruscas, e o próprio nome ou título Lars, usado pelos reis etruscos e romanos tem sido interpretados como “rei ou lider”, sendo que os autores gregos chamaram eles de “heróis e daimones” nas traduções para Lares, e Plauto empregou Lar Familiaris no original grego de Menandro, tomando por “heroon” ou santuário dos heróis.

Há muito mais a ser dito sobre esse assunto, mas vou deixar para a parte 2.

*Taylor, 301: citando "Mania" em Varro, Lingua Latina, 9, 61; "Larunda" em Arnóbio, 3, 41; "Lara", em Ovídio, Fasti II, 571 e ss: Macróbio, Saturnalia, 1, 7, 34 -5; Festus, P115 L.

Sett Ben Qayin


Referências e fontes para consultas:

ANDERSON, John Jacob. Lars Porsenna: Um curso completo na história: novo manual de história geral, 1893.

BEARD, M.North, J.; Preço, S. Religiões de Roma, vol. 1 e 2, ilustrado, reprint, Cambridge University Press, 1998.

GIRARD, Raphael. Le Popol-Vuh, Histoire culturelle des Maya-Quiché, Paris, 1954.

HARVA Uno. Les representations religieuses des peoples altaiques, traduzido do alemão por Jean-Louis Perret, Paris, 1959.

TAYLOR, Lilly Ross. A Mãe dos Lares. Jornal Americano de Arqueologia, vol. 29, 3, (julho-setembro 1925), 299-313.

WISEMAN, TPRemus: um mito romano. Cambridge University Press, 1995.


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DENÚNCIA E REPÚDIO INTEGRAL


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Caríssimos leitores, aqui falo em nome dos Lupinos, e trago-lhes a honrosa notícia de que nós não somos responsáveis pela colocação ou divulgação do nosso sobrenome LUPINO em quaisquer sites que estejam vinculados com a pessoa do Sr. Ricardo Draco, nem por outro meio ou veículo notoriamente gerenciado pelo séquito de seu Conselho de Bruxaria Tradicional.

Temos sido perseguidos por essa gente constantemente no ambiente virtual, os quais se apropriaram do nosso sobrenome cível LUPINO como se Codinome fosse, e tentou fazer desse título um caminho a ser seguido e ditado pelo séquito do CBT, sem contudo terem sido iniciados por um Lupino de Sangue.

Não temos vínculo algum com o CBT e seus correligionários.

No que tange as ações do CBT, ao que demonstra as averiguações, esta é mais uma obra do afluxo, conhecido por “concorrência” e “inveja”, desde que há  alguns anos ficou notório que o idealizador do Conselho de Bruxaria Tradicional, para além de ser um expert em criação de sites como demonstra o currículo dele, já se posicionou antes e continua se posicionando na internet de forma a provocar e denegrir a nossa imagem e nome, sem razão alguma.

Nós do Congrega Lupino, não estamos interessados em quantidade de “rank” ou buscadores, e o nosso público é certo. O nosso compromisso é com a qualidade de matérias, ensaios, e artigos, todos criados por membros da Família Lupino (novamente lembro que este é um sobrenome de família civil, não é ficção),  uma vez em que somos detentores do sangue bruxo na forma hereditária,  assumimos compromisso de desmistificar a bruxaria a partir do conceito e existência, bem como a visão de mundo tradicional vivenciados por nós. 

Como podem ter notado, autores tradicionalistas como René Guenon, Julius Evola, Giambattista Della Porta, H. C. V. N. Agrippa e Nicolaj de Mattos Frisvold seguem a mesma perspectiva tradicional que nós seguimos, e suas obras podem e devem ser consultadas, para que se possa abarcar o que é de fato uma linha de pensamento tradicional em bruxaria, folclore, magia, ocultismo e esoterismo. Outras obras estão indicadas no link Alfarrábios de nosso Blog Congrega Lupino.

Nós não adotamos a postura de ofender ou concorrer com ninguém e entendemos que todos têm espaço no mundo, sendo assim, cada um dá o que tem, bem como oferece ao mundo aquilo que tem de melhor ou de pior, e no nosso caso estamos aqui nesse simplório ambiente virtual, fazendo uma de nossas melhores partes nesse mundo tão lindo, carente e com fome de conhecimento, cuja partilha enobrece a todos independente da bandeira religiosa defendida, proferida ou vinculada.

Alguns dentre nós, para além de “bruxo hereditário”, conserva mais de uma linhagem comprovadamente tradicional, e somos felizes assim, uma vez que não estamos à mercê nem somos subalternos a pseudo-instituições ou Conselhos que visam tentativas de controlar pessoas e se posicionar no mundo como se donos da bruxaria fossem.

REPÚDIO INTEGRAL


Todos os Lupinos hereditários e Lupinos Tradicionais, TODOS STREGONES, somamo-nos aos que declaram total repúdio às ações truculentas do diretor presidente e sua intituição ora denominada CBT – Conselho de Bruxaria Tradicional, que nada contribui com a Bruxaria Tradicional de fato, nem com a sociedade bruxa brasileira, a não ser com a promoção de violência virtual e gratuita contra os irmãos e irmãs da Arte Bruxa Tradicional.

Diversos representantes da Bruxaria Tradicional no Brasil e no Exterior, estiveram presentes na Assembléia Constituinte dessa Nota de Repúdio e puderam relatar, presenciar fatos narrados e comprovados, e evidenciar muitas das denúncias de violência e brutalidade exercidas em nome da instituição acima mencionada durante suas reuniões e rituais, e em mais de quatro veículos de comunicação virtual, também com impressão de matérias e artigos dirigidas à pessoas e membros da Arte Tradicional, afirmando o desrespeito aos próprios estudantes e demais vinculados do CBT, ações essas que denigrem e fomentam o escrutínio social.

O Conselho de Bruxaria Tradicional se perdeu no transcorrer do seu caminho e no propósito de sua existência, tendo se convertido em um verdadeiro prélio de avacalhação, criando não bruxos, mas cenários virtuais de guerra, ofensa e incitação ao ódio, ou seja, tal instituição por intermédio de seu presidente e filiados têm falhado com os princípios éticos da vida comunitária.

Esta nota tem como objetivo apontar e repudiar todos estes atos praticados pelo atual líder do CBT, e tem por objetivo a manifestação pacífica, sugerindo a todos a desvinculação de tal instituição buscando evitar o crescimento desse mal que mancha o nome de nossa Arte.

Lembramos ainda que presidente e seu Conselho, têm se posicionado para o mundo bruxo de maneira preconceituosa e, impositiva, como se fossem porta-vozes legítimos e qualificados da bruxaria tradicional, sem o ser de fato, e ainda, lembramos novamente que cada pessoa que se entenda Líder de um determinado grupo, deve se ater aos limites de seu círculo, não podendo jamais falar pelos demais círculos/grupos, obrigando-se a dar liberdade à Arte Bruxa, cuja fluidez se estende de um patrimônio público cultural e universal.

Consideramos negligente, imprudente e imperita as atitudes tomadas pelo diretor presidente do CBT,  desde agosto de 2010, cujo dever -(em seu nascedouro)- deveria ser o de garantir a integridade do Conselho (CBT). 

Dessa forma, tanto o diretor/presidente quando os sectários do CBT desviaram-se dos objetivos, e dos propósitos originais estabelecidos, deixando de cumprir seus méritos e por serem  notoriamente reconhecidos como causadores de prejuízos individuais e sociais.

Por isso repudiamos a postura do Diretor/Presidente e seu Conselho de Bruxaria Tradicional pela conivência às ações desta instituição!

Soma-se virtualmente à esta Nota, podendo fazer uso dela e seus direitos, os que bem entenderem.

Att,

Sett Ben Qayin




quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

TÁBUAS EXECRATÓRIAS – Um breve estudo sobre Maldições - Parte 1


Tabellae defixionum de Hadrumetum, Túnez (WEEBER 1994, fig. 75).


Hoje venho trazer um pouco dos meus estudos sobre maldições, e é com muita simplicidade que compartilho com nossos amigos leitores do Congrega Lupino.
  
O saudoso Prof. Serafim da Silva Neto, em História do Latim Vulgar. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1977, p. 105sqq., nas pegadas de Maurice Jeanneret, La Langue des tablettes d’exécration latines. Paris, Neuchâtel, 1918, observa:
“Para o conhecimento do latim vulgar, têm a mais alta importância as chamadas tábuas execratórias (tabellae defixionum). São elas, como se sabe, mensagens anônimas, endereçadas a divindades malfazejas*, com o fim de obter, em detrimento de qualquer adversário e fora dos meios naturais**, vantagens improváveis ou ilícitas”. Aliás, diga-se de passagem, nem sempre anônimas, como se verá.

1 – Tabellae Defixionum, Tábuas Execratórias. Tabella, “tabuinha, pequena lâmina de chumbo ou bronze” é um derivado de “tábua, tabela”. Segundo Ernout Meillet, DIELL., p. 672sq., trata-se de termo técnico, sem etmologia definida, certamente um empréstimo. Defixio, - onis (palavra que só se encontra em Glossários, por ser de formatação posterior) é um derivado do verbo figo, perf. Fixi, sup. Fictum, depois fixum, inf. Figere, “fixar, pregar, gravar”.

As únicas aproximações possíveis são com o umbro fiktu, “crava”, afiktu, “fixa” e com um lituano dýgstu, dýgti, “fazer ponta, dar forma de ponta”, donde stricto sensu, tabella defixionis, é “uma tabuinha de cera, bronze ou chumbo com inscrições”. Mas, como o verbo figere, “gravar, fixar”, tomou o sentido de “execrar, amaldiçoar, perder, entregar a cabeça de alguém, pedir a destruição de uma pessoa às divindades infernais”, mercê do conteúdo das inscrições, Tabellae Defixiorum passaram a ter a conotação particular, sobretudo na magia e na bruxaria, de Tábuas Execratórias, isto é, de fórmulas de maldição e imprecação.

Trata-se, pois, de atividades e sentimentos peculiares a indivíduos das mais ínfimas classes sociais. São escravos, libertos, gladiadores.

As práticas de magia negra, em grande parte provindas do Oriente, particularmente do Egito, difundiram-se na Hélade, no decurso dos séculos V e IV a.C., conforme demonstrou, em obra recente, André Bernand, Sorciers Grecs. Paris, Fayard, 1991, p. 16sqq. Na Magna Grécia penetraram a partir do séc. III a.C.; em Roma, no séc. I a.C., espalhando-se, a seguir, por todo o vasto Império dos descendentes de Rômulo.

Embora as imprecações tenham múltiplas finalidades, Jeanneret, op. Cit., p.5, aponta quatro motivos principais para uma divisão globalizante das Tabellae:

a)      amatoriae – o amor sem esperança de retorno, o ciúme exasperado e o despeito amoroso provocam o desejo de consagrar às divindades ctônias a esposa infiel, o amante rebelde, o rival mais afortunado ou todos eles ou ainda pedir-lhes com veemência a fidelidade, o retorno ou a posse imediata da pessoa amada;

b)      iudiciariae – o medo de perder um processo ou o ressentimento por tê-lo perdido levam o litigante a desejar todas as desgraças possíveis ao adversário;

c)      in fures – o desejo de vingança apela para a magia, para que sejam atingidos e punidos os inimigos;

d)     ludicrae – os Ludi Circenses, os Jogos Circenses se constituíam numa das maiores paixões dos romanos, levando-os, por isso mesmo, a pedir e suplicar às divindades infernais a morte de tal gladiador ou de tal auriga ou ainda a derrota da facção rival.

As Tábuas Execratórias que se conhecem, até o momento, são poucas: as publicadas por Audollent, em 1904 e 1930, e por W. Sherwood Fox, em 1912.
A “alta importância” das Tábuas Execratórias não se restringe, porém, ao conhecimento do impropriamente denominado latim vulgar, mas são elas também de suma relevância para a compreensão de uma das facetas da religião popular (será que era só popular?) romana: a magia negra e a crendice das classes sociais menos cultas***.

Já se mencionou a publicação de W. Sherwood Fox. O título exato da mesma é o seguinte:The John Hopkins University tabellae defixiorum. In: American journal of Philology, apêndice, 1º fascículo do volume XXXIII, Baltimore, 1912. Trata-se de cinco tabellae, as quais, na realidade, são quase idênticas: as ligeiras divergências resumen-se em omissão, adição, deslocamento de palavras ou alterações gráficas. A diferença essencial está no nome do destinatário, a que visa a imprecação.

Alfred Ernout, Recueli de Textes Latins Archaiques. Paris, Klincksieck, 1947, p. 100-104, transcreve uma delas com alguns comentários acerca das variantes em relação às outras quatro Tábuas. Talvez a que se vai apresentar aqui, a Segunda na ordem do editor, provenha de Roma, apesar dos provincianismos. A data da redação, por indícios da escrita e da ortografia, leva a situá-la entre 75 e 50 a.C., ou seja, na época republicana, segundo o eminente latinista e filósofo francês.

A tradução, que se vai apresentar, uma vez transcrito o texto latino, é quanto possível literal, sem fugir às repetições, por se constituírem estas em poderoso auxiliar da eficácia mágica deste tipo de ritual negro de execração.

(pode-se constatar o encantamento em latim, no livro original, p. 283, aqui, reproduzi somente a tradução, que se segue).

“ - Bondosa e bela Prosérpina, esposa de Plutão, talvez seja conveniente que eu te chame Sálvia. Destrói a saúde, o corpo, a tez, as forças, as energias de Avônia. Entrega-a a Plutão, teu esposo. Que ela não possa evitar nada disto com a força de seu pensamento. Arruína-a, de imediato, com a Febre-quartã, terçã quotidiana, as quais lutem e relutem com ela, que a vençam e subjuguem completamente, até que lhe arranquem a alma. Para tanto eu te ofereço está vítima, Prosérpina, ou talvez seja conveniente que eu diga Prosérpina, ou Aquerôntica. Que me envies o cão tricéfalo, muito solicitado, para que arranque o coração de Avônia. Prometas que hás de oferecer-lhe três vítimas, tâmaras, figos e um porco preto, caso ele execute isto antes do mês de março.
Dar-te-ei estas coisas, Sálvia, quando me atenderes. Entrego-te a cabeça de Avônia, Prosérpina Sálvia; voto-te a fronte de Avônia, Prosérpina Sálvia; dedico-te os supercílios de Avônia, Prosérpina Sálvia; consagro-te as pálpebras de Avônia, Prosérpina Sálvia; cedo-te as pupilas de Avônia, Prosérpina Sálvia; ofereço-te as orelhas, os lábios, as narinas, o nariz, os dentes, a língua de Avônia, para que Avônia não possa dizer o que lhe dói; dou-te o pescoço, os ombros, os braços, os dedos, para que em nada se possa ajudar; o peito, o fígado, o coração, os pulmões, para que ignore onde lhe dói; os intestinos, o ventre, o umbigo, as costas, os flancos, a fim de que não possa dormir; a bexiga para que não possa urinar; as nádegas, as coxas, o ânus, os joelhos, as pernas, as tíbias, os pés, os calcanhares, , as solas do pé, os dedos, as unhas, para que não possa, por suas próprias forças, permanecer em pé. Quer seja muito, quer seja pouco o que foi escrito, legitimamente se escreveu e se ordenou. Assim, eu te entrego e te devoto Avônia, a fim de que a percas no mês de fevereiro. Que ela se arruíne, se desgrace e se destrua completamente. Que ordenes e a entregues para que não possa mais olhar, ver, contemplar nenhum mês.”



Diga-se de caminho, que a Tabella Execrationis, a Tábua Execratória, era, de preferência, colocada sub-repticiamente no túmulo de alguém recém-falecido, para que a mensagem chegasse com mais rapidez no mundo infernal...

As Tábuas Execratórias, de “procedência oriental”, que passando pela Grécia, se difundiram pelo Império Romano, continuam até nossos dias com outra indumentária, mas, no fundo, com a mesma essência. Na realidade, elas não pertenciam ao Oriente, ao Egito, à Grécia, a Roma, ou a qualquer outra nação; constituem um patrimônio comum a todas as culturas religiosas de todos os tempos, obedecendo, as mais das vezes, à mesma estrutura. A Magia não se altera substancialmente, apesar da distância no tempo e da diversidade cultural. O fio mágico que as trouxe ab origine até os tempos modernos é o Inconsciente Coletivo. A ponte que liga o telúrico ao ctônio sempre foi, nas culturas primitivas e em algumas das atuais, bem mais sólida do que a escada que levava e leva ao Olimpo.

A título de complementação, vamos transcrever uma pequena tábua execratória “moderna”. Trata-se de uma amatoria: alguém perdeu para outra o marido e deseja para o infiel o que “inzisti di mais ruin neste mundo”:

“- Larô Exu Cambalarô Exu, Amojuba seu Zé Pilintra. Dexo na sua mão o distino de R.M. Ele recebi o que mi deu. Quero vê ele viciado em tudo que inziste di mais ruin no mundo. O dinheiro dele vai imbora na bibida e no jogo. Nada mais vai da certo pra ele degora em dante. Bebi inté cai duenti do figo e do estomo. Seu Zé Pilintra faiz ele ficá sem paiz briga no trabaio e perda o imprego. Um duenti bebo e pobre que vira mindingo. Contu com o sinhô e quando eu ve o resurtado trago mais marafo e carne seca.”

Obs – Por falta de uma bibliografia adequada e de textos confiáveis, que esclarecessem suficientemente acerca da μαγεία (mangueía), da magia ou da γοητεία (goeteía), fórmula de imprecação, de fonte grega, não foi possível transcrever uma tabella defixionis helênica em nos dois volumes do Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega. Petrópolis, Vozes, 1991-1992, mas ainda é uma ótima fonte de consulta.

Dispondo, agora, de uma fartura de T.E., procedentes de regiões helenizadas, ou romanizadas, sobretudo da época helenística e romana, vamos estampar a tradução, quanto possível literal, de duas amatoriae, que, segundo se explicou, podem expressar também pedidos angustiantes de posse da pessoa amada, como nos casos em pauta. “As mensagens”, que se vão apresentar, provém de locais diferentes: a primeira foi encontrada em Hadrumeto, na África, e, embora de conteúdo latino, está “camuflada” com caracteres gregos, conforme se explicará; a Segunda, inteiramente grega, é originária de Hauará, no Egito.

Algumas observações preliminares, no entanto, se fazem necessárias. De início, é conveniente reiterar que as Tabellae Defixionum são, em sua maioria, de cunho popular. É que a magia é a linguagem dos marginais, de pessoas que viviam alijadas do social(1).

Em se tratando particularmente da Hélade e sobretudo de Atenas, é mister levar em conta que a pólis foi organizada com base na exclusão. Exclusão da mulher, dos metecos, dos escravos e até mesmo dos adolescentes. Além do mais, na religião grega o sagrado estava atrelado ao poder: o sacerdote agia em nome da pólis, a magia agregava-se à pulsão, à vontade individual, que, de certa forma, afrontava o Estado. O fato é que estamos muito habituados a ver a Hélade da épica, do lirismo, do teatro e da filosofia, quer dizer, uma Grécia maquiada...A religião reflete a cultura; a magia, a natureza. A religião invoca os deuses, a magia os provoca, uma vez que esta última é um desafio ao divino e uma corajosa transgressão das leis naturais.

Em segundo lugar, nota-se nas goeteîai traduzidas uma terrível mistura de deuses: o Deus hebraico, divindades egípcias e gregas. Observe-se que, historicamente, à época em que foram redigidas “as mensagens”, entre os séculos II e III p.C., uma vasta parcela do Oriente, havia séculos, estava helenizada e a grande sede da magia foi o Egito, onde viviam milhares de gregos e judeus, principalmente após a fundação de Alexandria. De outro lado, a invocação do Deus dos Judeus é significativa: traduz a importância e o poder que se lhe atribuíam. Psicologicamente, a fusão e a invocação de vários deuses dão força e energia à imprecação. Nomes ininteligíveis, verdadeiras fórmulas secretas, bem como a sonoridade desconsertante das palavras (efeito mágico que se perde na tradução) e as repetições fazem parte do processo.

Propriamente não se pede, mas se constragem com ameaças os deuses e, não raro, o morto invocado, para que atendam e defiram ταcύ, ταcύ (takhý, takhý), “rapidamente, rapidamente”, a solicitação formulada. Outro ponto curioso é a menção tão somente do registro matronímico. Os nomes do suplicante e do suplicado são obrigatoriamente seguidos do nome de suas respectivas mães: em magia não pode haver engano...Sabe-se, com certeza, a identidade da mãe e não precisamente a do pai: mater certa, pater autem incertus, vale dizer, a mãe é natural, o pai é uma aquisição social.

Normalmente as goeteîai, as fórmulas de imprecações do mundo grego aparecem gravadas em chumbo. A escolha do metal não é aleatória. Se, de um lado, o chumbo, além de ser indestrutível, símbolo da posse para sempre da pessoa a quem se deseja conquistar, de outro, é também maleável, o que facilita a gravação e torna “flexível”, a vontade do destinatário. A isso se acresce a coloração acinzentada do metal, fato que traduz a morte, consoante Plínio, o Velho (Hist. Nat., 11, 114). De amor entendem os mortos e os deuses, particularmente os do mundo ctônio...

....continua na parte 2.

Sett Ben Qayin



*para o escritor, o diabo.
**meios naturais, significando os meios comuns que se conhecia, dentro da cultura do escritor.
***menos cultas, na linguagem do autor refere-se “do campo; sem instrução”. Isso designa que mesmo sem instrução ou graus escolares, alguém poderia ser herdeiro de uma Arte Sábia derivada da Antiga fé.
(1)= Constatação do autor, que a magia provinha de cunho pagão, segundo a interpretação de “sociedade”, que lhe constava.