quinta-feira, 25 de abril de 2019

Ligações Orientais com a Bruxaria Européia - Parte 1


missa da lua


Ligações Orientais com a Bruxaria Européia
Por  Doreen Valiente


Não foi até hoje totalmente visto pelos escritores da bruxaria que algumas conexões muito interessantes existem entre a bruxaria européia e os países árabes e os orientais. Entretanto, algumas informações sobre o assunto foram publicadas por Idries Shah Sayid, em seu famoso livro The Sufis. Mais detalhes apareceram em A History of Secret Societies de Arkon Daraul.

Pode ser que nunca venhamos a conhecer a história completa de que comunicações existiram entre os místicos secretos do Oriente e os do Ocidente. No entanto, dois pontos de contato certamente existiram nos tempos medievais.  Um foi o Reinado dos Mouros na Espanha, que se estendeu de 711 até 1492 da nossa Era.  A sabedoria dos médicos mouros era muito mais avançada do que a da maioria da Europa. Eles nos deram os signos numéricos dos árabes que usamos até hoje, um grande avanço sobre os confusos números romanos, e muitos termos da astronomia e da química, como o "ângulo de fundo",  o  "alcool"  e assim por diante,  são derivados do árabe, assim como os termos astrológicos  "zênite" e  "nadir".

Era natural que homens possuidores de um conhecimento científico comparativam ente tão avançado fossem acusados de bruxaria. Entretanto, os mouros também tinham um interesse considerável na Filosofia oculta, na alquimia, astrologia e na magia em geral.  A cidade de Toledo, na Espanha, ficou famosa em toda a Europa como um lugar onde as artes mágicas eram estudadas, tanto que a palavra "Toledo" era usada como uma senha secreta entre os ocultistas. Sua aparente menção casual na conversação era uma indicação de que o locutor estava interessado nos assuntos do ocultismo e buscava alunos companheiros.

Zaragoza e Salamanca também tinham uma reputação pelas práticas e estudos mágicos.  O nome do mago Michael Scot foi associado a Salamanca e, embora muitas histórias contadas por ele sejam legendárias, elas parecem de fato ter existido. Para ter estudado entre os mouros era necessário alcançar o domínio das artes ocultas,  de acordo com muitos dos antigos contos. Dizem que o Rosa-cruz cristão, o suosto fundador dos Rosa-cruzes, viajou  para Fez, no Marrocos,  e lá adquiriu parte de seu aprendizado.

O outro ponto de contato entre o Oriente e Ocidente foi a Ordem dos Cavaleiros Templários. Uma das razões para essa Ordem de nobreza tão importante e poderosa ter perdido o apoio da Igreja e ter sido reprimida foi que eles estavam se tornando íntimos demais dos Sarracenos em vez de massacrá-los como faziam os bons homens cristãos.

O contraste de caráter entre o nobre e cavalheiresco Saladin,  o líder dos Sarracenos, e os chefes venais e violentos das Cruzadas, não tinha passado despercebido pelos intelectuais, ainda mais porque as Cruzadas, apesar das lutas cruéis e do derramamento de sangue,  acabaram sem dúvida em sua maioria fracassando.

Os Cavaleiros Templários foram acusados de heresia e de adorarem uma divindade chamada Baphomet, que trazia uma forte semelhança com o deus das bruxas.  Idries Shah Sayid sugere que seu nome vem do árabe  Abufihamat, que significa "Pai da Compreensão".

As palavras árabes para "sabedoria"  e para  "negro"  se assemelham muito uma com a outra; assim, para os místicos árabes, "negro" se tornou um sinônimo de "sabedoria". Isso se baseia na Cabala Arábica que, assim como a Cabala Hebraica, deriva significados ocultos dos valores numéricos das letras das palavras.

A ordem mais famosa dos místicos árabes é a dos Sufis. Essa ordem existe até os dias de hoje, e eles afirmam serem mais antigos do que os tempos de Maomé e da fundação do Islã,
embora seus membros respeitem  o Islã em suas práticas. O falecido Gerald Gardner, que contribuiu tanto para o atual renascimento da bruxaria, foi também um membro de uma
ordem Sufi, e viajou muito pelo Oriente.

Fora sugerido que o triunfo do Islã e a rápida disseminação do credo de maomé tinham feito com que muitas pessoas dos países do oriente afetadas, que tinham aderido às fés mais antigas, tivessem se tornado de alguma forma inseguras, e assim deixaram sua terra natal e viajaram para o Ocidente. Isso fez também com que alguns dos devotos das fés mais antigas se mudassem para o mundo subterrâneo, mesmo quando a disseminação do
cristianismo estava acontecendo, e formassem sociedades e cultos secretos.  Assim, uma versão oriental da bruxaria surgiu, e, no fim, houve uma certa infiltração e troca de idéias entre os Sábios do Oriente e os do Ocidente.

Hugh Ross Williamson baseou seu fascinante romance histórico, The Silver Bowl, publicado pela primeira vez por Michael Joseph em 1948, na idéia de que havia uma versão oriental, bem como uma européia, do Trabalho dos Sábios, e que algumas comunicações tinham acontecido entre as duas.

Alguns escritores chegaram tão longe a ponto de sugerir que  a versão medieval da bruxaria na Europa, com sua organização dos Sabás, covens de 13 e assim por diante, era na verdade uma importação Sarracena, enxertada no culto mágico da Lua de Herodias.  Quanta verdade existe nisso é difícil dizer, porque essa é antiga questão de acharmos semelhanças entre as duas coisas, e depois perguntamos:  "Será essa evidência o fato de uma ter derivado da outra, ou é evidente que ambas tiveram uma origem comum em um passado distante ?"  A escritora está mais propensa a acreditar na segunda hipótese, baseada em seu presente estado de conhecimento.

Entretanto, certamente parece possível que o culto das bruxas européias, languescendo sob o poder e as influências crescentes do cristianismo, receberam uma transfusão de vida e de novas idéias do Oriente. A possibilidade dessa comunicação, como temos visto, estava lá.  Além disso, como Gerald Gardner mencionou em seu livro Witchcraft Today, as bruxas tem uma tradição entre elas de que seu culto veio do Oriente.

Idries Shah fala-nos de Aniza Bedouin,  cujo grande professor Sufi foi  Abu el-Atahiyya (748 até aproximadamente 828 da nossa Era). Seu círculo de discípulos era chamado de  "Os Sábios",  e eles o imortalizaram no símbolo de uma tocha entre os chifres de um bode. O nome tribal Aniza significa  "bode".

Após a morte de Abu el-Atahiyya, um grupo de seus seguidores migrou para a Espanha, que estava então sob o governo dos mouros. Os Maskharas Dervishes,  chamados de  "Os Celebrantes",  são associados ao seu professor e com a tribo de Aniza.

Todavia esse símbolo de uma cabeça com chifres com uma tocha entre os chifres é muito, muito mais antigo do que o tempo de Abu e-Atahiyya.  Ele pode na verdade ser traçado até a antiga Índia. Ela também traz uma certa semelhança com os toucados de chifres dos antigos deuses e deusas egípcios. Esses geralmente assumem a forma de dois chifres com uma patena brilhante entre eles, para qual a tocha ou a vela pode ser um substituto.  O deus Amon, o deus do mistério e do infinito, era representado como um carneiro, com um toucado elaborado com chifres.  Em Mendes, um  ram  verdadeiramente sagrado era adorado com estranhos ritos, descritos por Herodoto.  Amon era o deus primitivo dos egípcios. Acreditava-se que ele fosse capaz de assumir qualquer forma que desejasse; todas as demais divindades eram suas diversas formas. Portanto, seus nomes eram muitos, mas seu verdadeiro nome era secreto.  Ele era especialmente associado com todos os deuses da fertilidade, porque ele era Vida, a própria Força da Vida.

As representações de Amon como Harsaphes, o deus com cabeça de carneiro do distrito de Faiyum, são particularmente bonitas e interessantes nesse aspecto.  Elas mostram um homem com uma cabeça de carneiro (ou máscara) com uma patena entre os chifres, provavelmente representando o Sol, e também com a coroa Atef de Osíris, uma das versões mais esplêndidas e impressionantes do Deus de Chifres, um exemplo que pode ser visto no Museu Britânico.

Parece provável que Aniza Bedouin tenha recebido seu nome em homenagem a uma das representações norte-africanas do Deus de Chifres, e que os seguidores de Abu el Atahiyya,  "Os Sábios", adotaram esse símbolo de uma cabeça com chifres com uma luz entre os chifres porque ela não somente imortalizava seu mestre e professor como também tinha um significado mais antigo e mais profundo para eles.

Os Maskhara Dervishes que, como temos visto, são relacionados com seu grande professor Sufi, deram-nos as duas palavras  "baile de máscaras" e "maquilagem".  Eles conduziam danças selvagens vestidos com máscaras de animais, e também usavam um cosmético para escurecer seus rostos durante o curso de alguns de seus ritos. Por isso o termo "máscara" para a maquiagem que as mulheres usam hoje ao redor dos olhos.  A finalidade disso pode ter sido a ligação ritual entre o  "preto"  e a  "sabedoria"  mostrada acima.

Na Grâ-Bretanha existem as Danças Morris, hoje tão inglesas quanto o rosbife, mas seu nome significa os  "dançarinos mouros",  porque eles costumavam escurecer seus rostos quando dançavam, para que não fossem reconhecidos.  Acredita-se que suas danças tragam
sorte para os dançarinos, e ela é certamente algo esplendoroso e alegre de se ver, e muito viva nos dias de hoje. Alguns historiadores acham que a Dança Morris foi trazida para a Grã-Bretanha da Espanha provavelmente por John de Gaunt e seus seguidores na época de Eduardo III.  John de Gaunt, o irmão do Príncipe Negro, passou bastante tempo na Espanha e tinha esperanças de tornar-se rei de Castela.

Continua...


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