missa da lua |
Ligações Orientais com a Bruxaria
Européia
Por Doreen Valiente
Não foi até hoje totalmente visto
pelos escritores da bruxaria que algumas conexões muito interessantes existem
entre a bruxaria européia e os países árabes e os orientais. Entretanto, algumas
informações sobre o assunto foram publicadas por Idries Shah Sayid, em seu
famoso livro The Sufis. Mais detalhes apareceram em A History of Secret
Societies de Arkon Daraul.
Pode ser que nunca venhamos a
conhecer a história completa de que comunicações existiram entre os místicos
secretos do Oriente e os do Ocidente. No entanto, dois pontos de contato
certamente existiram nos tempos medievais. Um foi o Reinado dos Mouros na
Espanha, que se estendeu de 711 até 1492 da nossa Era. A sabedoria dos
médicos mouros era muito mais avançada do que a da maioria da Europa. Eles nos
deram os signos numéricos dos árabes que usamos até hoje, um grande avanço
sobre os confusos números romanos, e muitos termos da astronomia e da química,
como o "ângulo de fundo", o "alcool" e
assim por diante, são derivados do árabe, assim como os termos
astrológicos "zênite" e "nadir".
Era natural que homens
possuidores de um conhecimento científico comparativam ente tão avançado fossem
acusados de bruxaria. Entretanto, os mouros também tinham um interesse
considerável na Filosofia oculta, na alquimia, astrologia e na magia em
geral. A cidade de Toledo, na Espanha, ficou famosa em toda a Europa como
um lugar onde as artes mágicas eram estudadas, tanto que a palavra "Toledo"
era usada como uma senha secreta entre os ocultistas. Sua aparente menção
casual na conversação era uma indicação de que o locutor estava interessado nos
assuntos do ocultismo e buscava alunos companheiros.
Zaragoza e Salamanca também
tinham uma reputação pelas práticas e estudos mágicos. O nome do mago
Michael Scot foi associado a Salamanca e, embora muitas histórias contadas por
ele sejam legendárias, elas parecem de fato ter existido. Para ter estudado
entre os mouros era necessário alcançar o domínio das artes ocultas, de
acordo com muitos dos antigos contos. Dizem que o Rosa-cruz cristão, o suosto
fundador dos Rosa-cruzes, viajou para Fez, no Marrocos, e lá
adquiriu parte de seu aprendizado.
O outro ponto de contato entre o
Oriente e Ocidente foi a Ordem dos Cavaleiros Templários. Uma das razões
para essa Ordem de nobreza tão importante e poderosa ter perdido o apoio
da Igreja e ter sido reprimida foi que eles estavam se tornando íntimos demais
dos Sarracenos em vez de massacrá-los como faziam os bons homens cristãos.
O contraste de caráter entre o
nobre e cavalheiresco Saladin, o líder dos Sarracenos, e os chefes venais
e violentos das Cruzadas, não tinha passado despercebido pelos intelectuais,
ainda mais porque as Cruzadas, apesar das lutas cruéis e do derramamento de
sangue, acabaram sem dúvida em sua maioria fracassando.
Os Cavaleiros Templários foram
acusados de heresia e de adorarem uma divindade chamada Baphomet, que trazia
uma forte semelhança com o deus das bruxas. Idries Shah Sayid sugere que
seu nome vem do árabe Abufihamat, que significa "Pai da
Compreensão".
As palavras árabes para
"sabedoria" e para "negro" se assemelham
muito uma com a outra; assim, para os místicos árabes, "negro" se
tornou um sinônimo de "sabedoria". Isso se baseia na Cabala Arábica
que, assim como a Cabala Hebraica, deriva significados ocultos dos valores
numéricos das letras das palavras.
A ordem mais famosa dos místicos
árabes é a dos Sufis. Essa ordem existe até os dias de hoje, e eles afirmam serem
mais antigos do que os tempos de Maomé e da fundação do Islã,
embora seus membros
respeitem o Islã em suas práticas. O falecido Gerald Gardner, que
contribuiu tanto para o atual renascimento da bruxaria, foi também um membro de
uma
ordem Sufi, e viajou muito pelo
Oriente.
Fora sugerido que o triunfo do
Islã e a rápida disseminação do credo de maomé tinham feito com que muitas
pessoas dos países do oriente afetadas, que tinham aderido às fés mais antigas,
tivessem se tornado de alguma forma inseguras, e assim deixaram sua terra natal
e viajaram para o Ocidente. Isso fez também com que alguns dos devotos das fés
mais antigas se mudassem para o mundo subterrâneo, mesmo quando a disseminação
do
cristianismo estava acontecendo,
e formassem sociedades e cultos secretos. Assim, uma versão oriental da
bruxaria surgiu, e, no fim, houve uma certa infiltração e troca de idéias entre
os Sábios do Oriente e os do Ocidente.
Hugh Ross Williamson baseou seu
fascinante romance histórico, The Silver Bowl, publicado pela primeira vez por
Michael Joseph em 1948, na idéia de que havia uma versão oriental, bem como uma
européia, do Trabalho dos Sábios, e que algumas comunicações tinham acontecido
entre as duas.
Alguns escritores chegaram tão
longe a ponto de sugerir que a versão medieval da bruxaria na Europa, com
sua organização dos Sabás, covens de 13 e assim por diante, era na verdade uma
importação Sarracena, enxertada no culto mágico da Lua de Herodias.
Quanta verdade existe nisso é difícil dizer, porque essa é antiga questão de
acharmos semelhanças entre as duas coisas, e depois perguntamos:
"Será essa evidência o fato de uma ter derivado da outra, ou é evidente
que ambas tiveram uma origem comum em um passado distante ?" A
escritora está mais propensa a acreditar na segunda hipótese, baseada em seu
presente estado de conhecimento.
Entretanto, certamente parece
possível que o culto das bruxas européias, languescendo sob o poder e as
influências crescentes do cristianismo, receberam uma transfusão de vida e de novas
idéias do Oriente. A possibilidade dessa comunicação, como temos visto, estava
lá. Além disso, como Gerald Gardner mencionou em seu livro Witchcraft
Today, as bruxas tem uma tradição entre elas de que seu culto veio do Oriente.
Idries Shah fala-nos de Aniza
Bedouin, cujo grande professor Sufi foi Abu el-Atahiyya (748 até
aproximadamente 828 da nossa Era). Seu círculo de discípulos era chamado
de "Os Sábios", e eles o imortalizaram no símbolo de uma
tocha entre os chifres de um bode. O nome tribal Aniza significa
"bode".
Após a morte de Abu el-Atahiyya,
um grupo de seus seguidores migrou para a Espanha, que estava então sob o
governo dos mouros. Os Maskharas Dervishes, chamados de "Os
Celebrantes", são associados ao seu professor e com a tribo de
Aniza.
Todavia esse símbolo de uma
cabeça com chifres com uma tocha entre os chifres é muito, muito mais antigo do
que o tempo de Abu e-Atahiyya. Ele pode na verdade ser traçado até a
antiga Índia. Ela também traz uma certa semelhança com os toucados de chifres
dos antigos deuses e deusas egípcios. Esses geralmente assumem a forma de dois
chifres com uma patena brilhante entre eles, para qual a tocha ou a vela pode
ser um substituto. O deus Amon, o deus do mistério e do infinito, era
representado como um carneiro, com um toucado elaborado com chifres. Em
Mendes, um ram verdadeiramente sagrado era adorado com estranhos
ritos, descritos por Herodoto. Amon era o deus primitivo dos egípcios.
Acreditava-se que ele fosse capaz de assumir qualquer forma que desejasse;
todas as demais divindades eram suas diversas formas. Portanto, seus nomes eram
muitos, mas seu verdadeiro nome era secreto. Ele era especialmente
associado com todos os deuses da fertilidade, porque ele era Vida, a própria
Força da Vida.
As representações de Amon como
Harsaphes, o deus com cabeça de carneiro do distrito de Faiyum, são
particularmente bonitas e interessantes nesse aspecto. Elas mostram um
homem com uma cabeça de carneiro (ou máscara) com uma patena entre os chifres,
provavelmente representando o Sol, e também com a coroa Atef de Osíris, uma das
versões mais esplêndidas e impressionantes do Deus de Chifres, um exemplo que
pode ser visto no Museu Britânico.
Parece provável que Aniza Bedouin
tenha recebido seu nome em homenagem a uma das representações norte-africanas
do Deus de Chifres, e que os seguidores de Abu el Atahiyya, "Os
Sábios", adotaram esse símbolo de uma cabeça com chifres com uma luz entre
os chifres porque ela não somente imortalizava seu mestre e professor como
também tinha um significado mais antigo e mais profundo para eles.
Os Maskhara Dervishes que, como
temos visto, são relacionados com seu grande professor Sufi, deram-nos as duas
palavras "baile de máscaras" e "maquilagem".
Eles conduziam danças selvagens vestidos com máscaras de animais, e também
usavam um cosmético para escurecer seus rostos durante o curso de alguns de
seus ritos. Por isso o termo "máscara" para a maquiagem que as
mulheres usam hoje ao redor dos olhos. A finalidade disso pode ter sido a
ligação ritual entre o "preto" e a
"sabedoria" mostrada acima.
Na Grâ-Bretanha existem as Danças
Morris, hoje tão inglesas quanto o rosbife, mas seu nome significa os
"dançarinos mouros", porque eles costumavam escurecer seus
rostos quando dançavam, para que não fossem reconhecidos. Acredita-se que
suas danças tragam
sorte para os dançarinos, e ela é
certamente algo esplendoroso e alegre de se ver, e muito viva nos dias de hoje.
Alguns historiadores acham que a Dança Morris foi trazida para a Grã-Bretanha
da Espanha provavelmente por John de Gaunt e seus seguidores na época de
Eduardo III. John de Gaunt, o irmão do Príncipe Negro, passou bastante
tempo na Espanha e tinha esperanças de tornar-se rei de Castela.
Continua...
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