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Gravura em madeira de 1612, ilustração do caso das feiticeiras de lancashire, onde 11 pessoas foram condenadas à morte pelo uso de bruxaria.
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No começo do século 17, Lancashire, na Inglaterra, vivia sob um despotismo religioso, com uma população esmagadoramente católica dominada por um governo protestante hostil e repressivo.
Se as paróquias eram bastante freqüentadas, devia-se somente ao fato de que faltar aos serviços religiosos implicava em pesadas punições. Isso porque a salvação das almas quase sempre estava inteiramente nas mãos dos padres jesuítas que iam de paróquia em paróquia, atormentando os sacerdotes e ameaçando-os com os castigos mais cruéis.
O fogo da Reforma não conseguiu extirpar a rebelião das chamadas superstições papistas. A existência de feiticeiras também deve ter ocupado bastante as mentes dos magistrados, uma vez que à lei contra as feiticeiras de 1563, seguiu-se uma outra lei do parlamento, no ano seguinte.
O ar estava carregado de rumores sobre magia branca e negra.
Nessa época, existiam duas famílias rivais que moravam numa floresta do Condado e eram conhecidíssimas pela reputação de terem vendido suas almas ao demônio.
Eram camponeses rudes, mendigos e ladrões, olhados com apreensão mesmo pelos vizinhos distantes.
À cabeça de cada família estava uma velha encarquilhada, malvada e de aparência medonha. Elizabeth Sowthern, uma cega miserável de 80 anos, conhecida nas redondezas como velha Demdike e Anne Whittle, igualmente velha e decrépita, conhecida como velha Chattox.
As duas pareciam reprodução fiel de bruxas.
As duas chefas de família acabaram caindo sob forte suspeita de serem culpadas da maioria, senão de todas, as mortes inexplicáveis que ocorriam no distrito.
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Bonecos sendo consagrados pelo diabo. Os magistrados entenderam que eram crianças sendo oferecidas ao diabo; O assassínio de crianças por bruxaria foi uma das acusações feitas durante o processo de 1612.
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AS PRIMEIRAS PRISÕES
A história começou nos primeiros meses de 1612, como a tradição familiar nos narra, com um roubo praticado na casa da velha Demdike por Elizabeth Whittle, filha de Chattox. Elizabeth foi mandada para a cadeia do castelo de Lancaster, onde acusou sua delatora, Alizon Device, de 11 anos, neta de Demdike, de feiticeira. Procurando se defender, Alizon revelou que sua avó tentou, realmente, iniciá-la na bruxaria. A essas alturas, não havia dúvida que outros métodos coercitivos, além de simples palavras, foram utilizados para extrair uma série de confissões, nas quais todos os membros das duas famílias acabaram se acusando mutuamente. A autocracia era contra a tradição de feitiçaria, e as famílias feiticeiras ficaram divididas entre fazer o que era comum a tradição, ou fazer a vontade dos tiranos autocratas protestantes. A política da sobrevivência era necessária, e ao elaborarem estratégias, alguns lideres de famílias bruxas perderam o domínio sobre os mais jovens que também tentavam “fazer a coisa certa”, e estes, ainda imaturos, delataram seus segredos familiares para sobreviverem e acabaram traindo a família.
O segredo bruxo não era e ainda não é uma coisa que não se pode contar a ninguém, apenas sempre foi uma coisa mal interpretada por gente de fora, e por isso não era explanado em massas, justamente porque causava curiosidades e medos, uma vez que o despotismo religioso andava na contra mão da liberdade herética. A história nos mostra que sempre haverá alguém tentando controlar as mentes, as fés, as religiões, e sempre haverá algum tirano ditando regras de como se deve entender ou compreender tal caminho espiritual. Na defesa de seus caminhos espirituais individuais, se chocam no calor da concorrência, poder e domínio.
Conta-se que pouco depois a jovem Alizon teve a infelicidade de discutir com um ‘mendigo’, a quem acabou amaldiçoando. Para seu espanto e horror, o homem teve um colapso em poucos minutos, queixando-se de ter sido esfaqueado.
Outra vez Alizon foi interrogada por um magistrado local, na época Roger Nowell, presentemente com sua mãe e seu irmão James, um retardado.
Acusaram-se entre si, além de enlamear a reputação da velha Demdike e da velha Chattox que, no começo de abril também foram convocadas para interrogatório. Ditame, a sábia Demdike na ocasião admitiu espontaneamente ser uma feiticeira.
UM ACORDO COM O DEMÔNIO
Anos atrás, Demdike teria sido abordada por um demônio em forma de espírito, vestido com uma capa marrom e preta e com aparência de garoto. Este diabo, que se apresentou com o nome de Tibb, agenciou com ela seus dons da alma, assegurando concretizar aquilo que aflorasse em seu coração e o que mais desejasse, além de mostrar os reinos encantados que os demais não conseguiam ver. Tibb teria se manifestado outra vez, desta feita como um lobo marrom, então lhe sugado sangue do braço esquerdo, ajudando-a também a matar com bruxarias o filho de Richard Baldwyn.
Baldwyn já tinha tentado condenar à morte tanto Demdike quanto sua neta, Alizon Device, sob acusação de bruxaria e proferindo as seguintes palavras: “Saiam da minha frente, suas bruxas pervertidas. Vou queimar uma e enforcar a outra".
Numa luta febril para se livrar das dificuldades, Chattox tentou jogar para cima de Demdike a culpa por sua iniciação na feitiçaria. Só depois da insistente persuasão de Demdike, ela teria concordado em se tornar feiticeira e conseguido de sua família, ameaçada, que lhe prometesse fidelidade. Para se assegurar que Demdike não teria salvação, Chattox acusou-a ainda do assassinato, por feitiçaria, de Robert Nutter, um proprietário local. Ao mesmo tempo, implicava outras pessoas.
A REUNIÃO DE FEITICEIRAS
Satisfeito com todas essas confissões que proporcionavam provas evidentes e suficientes para a condenação, o juiz mandou Alizon, a velha Demdike e a velha Chattox para o castelo de Lancaster, ao lado de uma quarta prisioneira, Anne Redfearne, filha de Chattox, que aparentemente também estava envolvida na morte de Robert Nutter.
As famílias das prisioneiras estavam na maior consternação pelas desgraças mútuas e, deixando, pela primeira vez, de lado suas hostilidades, convocaram uma reunião em Malking Tower, na casa de Elizabeth Device, filha de Chattox. O encontro foi na Quinta-feira Santa, 10 de abril, exatamente oito dias depois das prisões.
Compareceram cerca de 20 pessoas, das quais apenas duas eram homens. De confissões posteriores ter-se-ia depreendido que do encontro ficara resolvido que o castelo de Lancaster seria destruído e o carcereiro morto para vingar os parentes.
Os presentes à reunião, também, teriam aproveitado o encontro para planejar várias eliminações (assassinatos?) e até mesmo invocar um espírito perverso, parente de Alizon, com o objetivo de lhe dar um nome.
Propõe-se também a presença na reunião, Jennet Preston, feiticeira tradicional de Yorkshire, que para lá se dirigira para conseguir a ajuda de suas companheiras na destruição de alguém que fora responsável por sua perseguição por bruxaria em York. Finalmente, decidiu-se por um novo encontro daí a 12 meses, na Quinta-feira Santa de 1613, caso não houvesse necessidade de uma conferência antes disso. Independente da ‘alquimia’ bruxa, o objetivo entre as famílias era a união dos poderes para um bem comum, ou seja, defender a existência dos parentes a qualquer custo, valendo-se do método de ‘eliminar do caminho’ todos os que se opunham, método este bastante usado por todos que tem medo do desconhecido. As bruxas almejavam dar uma dose do próprio remédio dos despotistas, a eles mesmos, porém, com uma porção a mais de algo que os despotistas não tinham, ou seja, o poder feiticeiro unido.
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As bruxas de Lancashire com seu Daimon, um Demônio pessoal ou familiar. A velha Demdike “confessou” ter um lobo diabólico que a servia nas atividades mágicas da feitiçaria.
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VOLTANDO AO ATAQUE
Assim que Nowell tomou conhecimento das pretensões de deflagrar Lancaster, voltou outra vez à ofensiva. Prendeu pessoas que já soltara, inclusive Elizabeth Device, a responsável pela conferência, seu filho James Device, retardado e sua irmã de nove anos, Jennet. Apesar de sugestões em contrário, parece que o magistrado não encarava os acontecimentos de Malking Tower como um sabá de feiticeiras, mesmo porque no relatório oficial sobre o julgamento, o encontro fora descrito como um encontro especial de crianças e amigos, mas foi um sabá!
O que os magistrados não sabiam é que, o que caracteriza um sabá feiticeiro é um adjuro ou conjuro cujas intenções são todas comuns aos presentes, deste mundo e do outro.
A nova leva de prisioneiros foi interrogada e mandada ao encontro de seus companheiros nas minúsculas e asfixiantes celas do castelo de Lancaster, acompanhada de outros oito suspeitos de Salmesbury, acusados de matar com bruxaria a filha de um fazendeiro.
Os rigorosos interrogatórios feitos por Roger Nowell e um outro juiz, Nicholas Banister, resultaram em grande quantidade de revelações espantosas. Elizabeth Device confessou ter assassinado três pessoas usando bruxaria e, sob pressão, ter feito uma imagem de cera; negou veementemente, porém, a existência de qualquer atentado contra o castelo de Lancaster. Teve a infelicidade, entretanto, de ser portadora de um defeito físico, que a superstição em feitiçaria qualificara como marca indubitável de uma bruxa: um dos olhos voltava-se para baixo, enquanto o outro olhava para cima, o que para o ego dos juízes era um sinal infalível do olho do demônio.
DECLARADOS CULPADOS
O julgamento das feiticeiras, no verão de 1612, foi precedido da morte, na cadeia, da velha Demdike, acontecimento não de todo imprevisível nas condições de insalubridade comum às prisões do século 17, nas quais se deixava o prisioneiro apodrecer. Foi interrompido, depois, pelo julgamento das feiticeiras de Salmesbury, as quais, depois de convencerem a corte de que tinham sido vítimas de um complô dos jesuítas, foram declaradas inocentes e soltas.
A corte e seu juiz, Edward Bromley, passaram então a considerar as provas contra os prisioneiros, que consistiam em confissões escritas e acusações mútuas feitas durante os interrogatórios preliminares.
Foram julgadas 11 pessoas: Anne Whittle (velha Chattox) e sua filha, Anne Redfearne; a filha da velha Demdike, Elizabeth Device e seus filhos, Alizon e James Device, Katherine Hewit, John e Jane Bulcock, Isabel Robey, Margareth Pearson e Alice Nutter.
Jennet Preston foi julgada em York, onde foi condenada e enforcada. À exceção de Margareth Pearson, condenada ao pelourinho, todos os demais foram enforcados em 20 de agosto de 1612. Diante da verdadeira treva – o medo imposto da morte injusta – as famílias feiticeiras passaram a negar sua arte para todos os que não comungam da mesma tradição, e adotaram o sincretismo religioso do qual se não fosse isso, talvez não tivéssemos recebido nosso legado bruxo nos tempos de hoje.
É um triste fim para mais uma história de inadmissíveis injustiças cometidas e justificadas pelo preconceito e pelo medo. Por trás disso tudo havia senhores da lei que julgavam pessoas como eles bem entendiam, invídia, interesses mesquinhos em prol de acabar com a diversidade e a oposição, aversão e intolerância à crenças estranhas por puro medo da possível submissão a essas mesmas crenças estranhas, pois a bruxa tende a curar ou refrear ao seu modo, quem ela quiser. Quando as bruxas não se unem, o que se quebra é algo bem maior que suas vidas.
Mas, a história não pode fazer marcha à ré nem evitar as vítimas desnecessárias.
Por Sett Ben Qayin.