Abordar temas religiosos do solo brasileiro ainda é um desafio mesclado de selvagerias, pois todas as manifestações religiosas ou culturais sendo naturalmente brasileiras ou não, são todas verdadeiras até um sentido, e defendem seu peixe com uma peteca de contenda, com o que tem de pior ou não.
Infinitas discussões aludam esse palco, e infinitas platéias ainda colaboram mais, é um jogo de petecas entre os leigos e eruditos, ambos mergulhados em causas de atrito.
Mas pérai, primeiramente deveríamos lembrar que desde a cultura indígena, temos uma riqueza religiosa infindável, da qual poderia ser mais bem aproveitada ou valorizada, pois, por mais que sejamos descendentes de europeus, viemos morar pra sempre em território brasileiro, e na Arte Bruxa o que se valoriza é o Genii Loci, certo?
De que adiantaria um mulçumano querer olhar pra Meca quando vai orar, se ele encontra-se na realidade, no meio da Amazônia? Estamos falando da necessidade de um ponto de poder que focaliza o Espírito tradicional.
A cultura brasileira é de fato um grande cordão com contas variadas, pendurada em nosso pescoço. Possuímos tradições européias, africanas, orientais, norte-americanas, todas mescladas de verde e amarelo, e nesse sentido, temos aqui a nossa identidade marcada por um ponto em comum, o ponto nacional e popular, fundamental para que se possa falar de uma sociedade no interior da qual operaram as indústrias de cultura religiosa.
Um país com as dimensões do Brasil, com a sua mistura de credos, raças, posições políticas, e por que não dizer, dialetos dos mais variados possíveis, só sobrevive até hoje em sua religiosidade graças a uma única coisa, o sincretismo!
O Brasil é um país herético, e é um país de todos! Mas a tolerância é zero!
Os evangélicos passaram a benzer e exorcizar, os católicos menos ortodoxos pulam as sete ondas de Iemanjá durante a virada do ano, os budistas se isolam do mundo – se tornando algo secreto até certo nível, os kardecistas adquirem livros de conteúdo da cultura hindu, os candomblecistas vão à missa católica no domingo e os católicos ortodoxos procuram uma mãe de santo para resolverem os problemas que a igreja não consegue. Thelemitas na teoria e macumbeiros na prática, vemos maçons adotando a wicca como religião bem como os ex-cristãos; os índios com seus ritos próprios recém descobertos abandonam os dogmas cristãos por causa de sua tradição mais antiga, ciganos umbandistas e umbandistas ciganos, e o crescente aumento da procura por uma fé pagã, seja por curiosidade, seja para mergulhar de cabeça, está se fazendo presente, e por ai vai....
O brasileiro, ainda paternalista, desejoso do salvador que virá resolver seus problemas, esquece-se de limpar a própria sujeira, mas enquanto sacerdote pagão ele quer ser dono do seu próprio destino, e eu pergunto: como isto poderia ocorrer sem antes ter calçado o sapato de um mestre que pôde legar o conhecimento real?
Quando o tema é bruxaria, a coisa fica ainda mais difícil de compreender, pois ela é uma arte mesclada de fé que já nasceu herética por santa mãe natureza.
De acordo com a tradição, passa-se por leituras aos ouvidos, desde que o homem é homem, ou seja, originou-se numa era pagã e sempre evoluiu e nunca morreu. A arte bruxa hoje vive em tempos de era cristã, totalmente fluída, como a água, ela tem se moldado com o que tem em seu redor, e nisso, encontramos pontos feiticeiros em comum em quase todas as religiões e culturas trazidas para o solo brasileiro, sendo que aqui no Brasil já existia culturas das quais podemos afirmar que são feiticeiras, e que, todas se esbarraram de algum modo num ponto em comum, sem ao menos nos darmos conta.
Somos coagidos assessorar até mesmo os ecléticos que se intitulam tradicionais, para que eles possam pelo menos fazer melhor uso da arte. Atualmente somos obrigados a assistir o jogo de petecas, onde a peteca é uma bomba que explode na mão daquele em que cair. O mais comum é ouvirmos o tóc tóc em nossa porta, pedindo auxílio porque caiu por ter sido mal assessorado por algum correligionário da arte que em algum momento se julgou tradicional.
Mas quais as contendas principais encontradas nos correligionários das artes ecléticas e das artes tradicionais?
1 – correligionários das artes neo-pagãs, ecléticas, tendem defender seu bojo como se tradicionais fossem, proferindo um único caminho reto para a Arte e mais fácil de trilhar, pois serve para todos os interessados, desde que eles dão um caminho para a arte, e convidam a todos utilizando meios multimídia (youtube), para beberem do mesmo cálice enquanto jogam peteca com os verdadeiros tradicionais;
2 – correligionários das artes tradicionais não defendem sua arte, pois ela tem vida própria e auto-protege seu bojo; permitem que a arte continue fluída e atravesse por si mesma o caminho que quer abarcar, do qual é sinuoso e mais difícil do que o já citado e por isso, não serve para qualquer pessoa. Neste caso, não é a pessoa que atravesse a Arte, mas sim a Arte bruxa é quem atravessa a pessoa impulsionando-a tomar seu legado mais uma vez. Este último não dá um caminho para a Arte, mas permite que o mesmo caminho que já seguiu no passado, para não dizer em outras vidas, siga em frente.
Vemos aqui o fenômeno religioso nas tradições religiosas, o homem dando caminhos desconhecidos para uma tradição que desconhece por completo. Podemos chamar a isto de invencionismo da era new age.
A verdadeira tradição parte de um modo de vida e sua maneira de ver o mundo pelas lentes dos seus iguais. Citando os índios para se ter uma base: Algumas nações indígenas acreditam na “Terra sem males”, onde não haverá maldade, injustiça, guerra e doença. Onde todos os seres viverão felizes, em plena harmonia e paz, e num sentido bruxo, eles me lembram a busca das bruxas pela era de ouro de Saturno.
Talvez a peteca seja a única coisa tradicional que alguns bruxos brasileiros verdadeiramente herdaram do genni locci, pois seguram nas mãos e lançam um para o outro a peteca da contenda. O jogo da peteca é de origem indígena, e assim como os deuses jogam peteca durante a época das chuvas quando se escutam os trovões, os relâmpagos são os rastros da peteca, podemos assistir o titubear da peteca da contenda de tempos em tempos.
Sett Ben Qayin
Tem um lado bom nisso tudo: sempre temos material para basear nossos ensaios.
ResponderExcluirEste teu ensaio ficou mara!!!
Adorei o texto!
ResponderExcluirParabéns!
Seu ensaio ficou realmente bom demais...parabéns...!!!
ResponderExcluirExcelente!Vou ler seus textos com maior frequência.
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