quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A Insígnia da Máscara e os Diabos Mascarados – Parte 2





O PODER DA MÁSCARA

Spare, no Livro do Prazer, ao fazer referência a teurgia de fazer a Palavra tornar-se carne, pergunta: “Porque assumir vestes e máscaras cerimoniais e simular as atitudes dos Deuses? Mais enfaticamente, não há necessidade de repetição ou de pobre imitação. Você está vivo!” Certamente, isso foi uma crítica direta às técnicas cerimoniais e à assunção de forma-deus praticadas na Aurora Dourada, da qual ele foi membro em 1910, onde usava seu moto “Yihoveaum”.

A insígnia da máscara no Oriente varia segundo suas utilizações, e ainda se podem contemplar as máscaras Nagasawa que contém um forte simbolismo cultural, como é o caso da Mamba, a velha bruxa da montanha. Para além da máscara de teatro, como já foi citada, a máscara, antes de entrar na listas de adereços carnavalescos, também tinha um importante papel como máscara funerária, utilizada especialmente entre os egípcios. Para alguns povos, a máscara tem uma função mágica, ritualística, simbolizando na maioria das vezes, seres que possuem a capacidade de protegê-los do inimigo, do desconhecido, livrando-os de doenças e proporcionando a vitória nas guerras.

A máscara também exterioriza às vezes tendências demoníacas, como é o caso do teatro de Bali, onde os dois aspectos se confrontam. Mas esse é principalmente o caso das máscaras carnavalescas, onde o aspecto inferior, diabólico, é manifestado de forma exclusiva, com vistas a seu desterro; ela é liberadora. Ela era também, na ocasião das antigas festas chinesas do No, correspondente à renovação do ano. Aqui a máscara não esconde, mas revela, ao contrário, tendências inferiores, que é preciso pôr a correr.

Nunca se utiliza nem manipula a máscara impunemente: ela é objeto de cerimônias rituais, não somente entre os povos africanos, mas também no Kampuchea (Camboja), onde as máscaras da dança do trot são objeto de cuidados especiais; caso contrário, elas seriam perigosas para os portadores.
A máscara funerária é o arquétipo imutável, no qual supostamente a morte se reintegra. Ela tende ainda a reter, segundo M. Burckhardt, na múmia, o alento dos ossos, modalidade sutil inferior do homem.

Essa manutenção não se dá sem perigo quando se trata de um indivíduo que não atingiu certo grau de elevação espiritual.
Embora com modalidades diferentes, a máscara destinada a lixar a alma errante (o houen) foi também utilizada na China, antes do uso das tábuas funerárias. Furavam-se-lhe os olhos, assim como se perfura a tábua, supôs Granet, para significar o nascimento do defunto no outro mundo.

No pensamento dualista dos iroqueses, as danças mascaradas surgem todas do segundo Gêmeo Criador, o lrmão Mau, que reina sobre as Trevas, o diabo da cultura branca ocidental. Existem duas confrarias de máscaras entre os iroqueses, que pertencem à grande união das sociedades secretas. Sua função é essencialmente médica; elas prevêem e curam tanto as doenças físicas como as psíquicas. Nos ritos praticados, os homens mascarados representam a criação falha (anões, monstros etc.) de Tawiskaron, o irmão mau. Na primavera e no outono, eles expulsam as doenças das aldeias; quer dizer, nos eixos das duas metades do curso solar. Segundo Krickeberg, essas danças mascaradas provêm originalmente de ritos de caça. Elas se teriam transformado em danças de cura pelo fato de existir a crença em que os animais traziam as doenças para se vingar dos caçadores. Isso se pode aproximar do fato de que, entre os pueblos, os deuses animais são os chefes das Sociedades de Medicina.



As danças mascaradas dos índios pueblos celebram o culto dos Coco Katchina, que são ao mesmo tempo os ancestrais e os mortos. Esses Deuses-Animais somente são festejados no inverno com ritos particularmente importantes no solstício, o que revela afinidades com o simbolismo das cerimônias iroquesas. Eles são não apenas os mestres das ervas medicinais e dos ritos de cura, como também da feitiçaria e da magia incolor.

Na África, a instituição das máscaras está associada aos ritos agrários, funerários e de iniciação. Desde a mais remota Antiguidade, ela aparece nessa fase da evolução em que os povos se transformam em agricultores sedentários. Jean Laude escreveu sobre as máscaras, escultura em movimento, um dos melhores capítulos de seu livro sobre Ás Artes da África Negra.

As danças em procissões mascaradas evocam no final dos trabalhos da estação (cultivo, semeadura, colheita), os eventos das origens e a organização do mundo, assim como da sociedade. Elas fazem mais que apenas lembrá-los; elas os repetem com o fim de manifestar sua permanente atualidade e de reativar, de alguma maneira, a realidade presente, remetendo-a a esses tempos fabulosos em que o deus a concebeu com a ajuda dos gênios. Por exemplo, os dançarinos mascarados dos kurumbas fazem os gestos do herói civilizador Yrigué e de seus filhos, descendentes do céu, portadores de máscaras; os dançarinos dogons usam as máscaras Kanoga (palavra que significaria especialmente mão de Deus) e repetem através de um movimento circular da cabeça e do busto, os gestos do deus que, ao criar, fundou o espaço.

Nos ritos de iniciação, a máscara recebe um sentido um tanto diferente. O iniciador mascarado encarna o gênio que instrui os homens; as danças mascaradas insuflam no adolescente essa persuasão de que ele morre na sua condição anterior para nascer em sua condição adulta nos ritos de passagem. As máscaras às vezes se revestem de um poder mágico: elas protegem aqueles que as usam contra os malfeitores (homens sem caráter) como os bruxos perversos (sábios desviados do bom propósito espiritual);

Inversamente, elas também servem aos membros das sociedades secretas para impor sua aspiração encorajando o neófito enquanto o assusta, uma prova para vencer o medo.

Na bruxaria, a máscara além de ser uma celebração ao espírito de um patrono, é também um instrumento de possessão: ela é destinada a captar a força vital que escapa de um ser humano ou de um animal no momento de sua morte. A máscara transforma o corpo do funâmbulo que conserva a sua individualidade e servindo-se dele como suporte vivo e animado, encarna um outro ser: gênio, animal mítico ou fabuloso, que é assim momentaneamente figurado: desse modo, o poder é mobilizado.

A máscara preenche igualmente a função de agente regulador da circulação (sendo mais perigosa na medida em que é invisível) das energias espirituais espalhadas pelo mundo. Ela serve como armadilha para elas ao impedir seu ócio errante. Se a força vital liberada no momento da morte fosse deixada a errar, ela inquietaria os vivos e prejudicaria a ordem. Captada na máscara, é controlada, capitalizada, poder-se-ia dizer, e em seguida redistribuída em benefício da coletividade. Mas a máscara protege também o dançarino que, no momento da cerimônia, deve ser defendido contra a força do instrumento que manipula. A máscara visa dominar e controlar o mundo invisível. A multiplicidade de forças circulando no espaço explicaria a variedade composta das máscaras onde se misturam figuras humanas e formas animais em temas indefinidamente entrelaçados e às vezes monstruosos.




Mas a máscara não é inócua para quem a usa. O bruxo, tendo desejado captar as forças do outro lançando-lhe as ciladas de sua máscara, pode ser, por sua vez, possuída pelo outro. A máscara e seu portador se alternam e a força vital que está condensada dentro da máscara pode apoderar-se daquele que se colocou sob a sua proteção: o protetor se transforma em senhor. O portador, ou mesmo a pessoa que apenas o queria tocar, deve se habilitar com antecedência para manter um contato com a máscara e se prevenir antes contra qualquer golpe dela; é por isso que durante um período de tempo mais ou menos longo, ele observa proibições (alimentares, sexuais, etc.), se purifica através de banhos e abluções, celebra sacrifícios e faz orações.

É mais ou menos como uma preparação para as transformações místicas. Os etnólogos, aliás, já aproximaram a utilização das máscaras dos métodos práticos de acesso à vida mística. Carl Einstein definiu a máscara como um êxtase imóvel. Jean Laude sugere, com mais moderação, que ela poderia ser o meio consagrado para induzir ao êxtase no momento em que retém em si o deus ou o gênio. Segundo M. U. Beïer, que cita alguns exemplos, a bem dizer, pouco decisivos, certas máscaras iorubas manifestariam a expressão de um ser vivo já reunido através do êxtase aos bazimus. Traços do rosto, proeminentes e inchados (particularmente os olhos), formas redondas e turgescentes como que brotando sob o eleito de um impulso interior, poder-se-ia dizer que são expressões da concentração e da receptividade, semelhantes àquela que aparece no rosto de um fiel em estado de adoração, seja quando ele se prepara para receber o seu deus dentro da alma, seja logo depois que a união mística com o seu deus foi consumada. Vale notar, en passant, que as diferentes concepções da mística se situam no nível de diferentes teologias da vida religiosa.



A força captada não se identifica nem com a máscara, que não passa de uma aparência do ser que ela representa, nem com o portador que a manipula sem se apropriar dela. A máscara é mediadora entre as duas forças e indiferente em relação a qual delas vencerá a luta perigosa entre o cativo e o captador. As relações entre esses dois termos variam em cada caso, e sua interpretação varia em cada tribo. Se a linguagem cifrada das máscaras está difundida universalmente, o código das significações não é sempre nem em toda parte o mesmo.

Na medida em que pensamos no ‘eu’, as máscaras parecem ser o “eu” ou partes do “eu”, fragmentos do self ou da essência do ser individual. Quando se está ao lado de alguém, na qual não se pode naturalmente mostrar o perfil habitual, mostra-se a máscara, que, também é um entre os diversos “eu” que te habita, usando os poderes da máscara em favor de si. Nos rituais, a máscara parece elevar o usuário a uma condição ‘animal-deus’, como no caso da dança ritual do animal de poder entre os Shamans, e esse poder, que o totem fornece, vem de gestos sem palavras que invocam no apontamento mental, numa evocação que o gesto assinala e faz, quando de um sentimento abrupto da possessão ou pseudo-possessão, e por fim, do shapeshifting. Importa conhecer aqui, os próprios limites físicos e emocionais, pra que a máscara possa soltar o ‘bicho’ que há em cada um, e esse ‘bicho’ é quem enfrentará a presença de uma situação que pode ou não favorecer ou prejudicar. A máscara vem vestir a nossa nudez espiritual e faz o mundo material ver apenas aquilo que o possuidor da máscara quer que seja visto. Ter consciência sobre o domínio desse dom é um poder que faz o usuário temido, pela massa, e isso vem de encontro com a explicação sobre o medo de bruxas. O totem e sua máscara te elevam a condições que, ou se é um ser espiritual vivenciando uma experiência terrena, ou um ser terreno vivenciando uma experiência espiritual. Seres gigantes parecem ter dado origem à espécie bruxa, que caiu e vestiu a máscara humana num rosto divino.

Máscaras theriomórficas, são mantos reveladores de um ser com capacidade de transformar-se a vontade em um animal, como no caso dos lobisomens, e aqui não se inclui o uso de feitiçaria para mudar de forma, enquanto que os anjos caídos usam as máscaras antropomórficas.
As tradições gregas, assim como as civilizações de Minos e Micenas, conheceram as máscaras rituais das cerimônias e das danças sagradas, as máscaras funerárias, as máscaras votivas, as máscaras de disfarce, as máscaras teatrais. Aliás, foi esse último tipo de máscara, figurando um personagem (prosopon), que deu nome à pessoa. Essas máscaras de teatro, geralmente estereotipadas (como no teatro japonês) sublinham os traços característicos de um personagem: rei, ancião, mulher, servidor etc. Existe um repertório dessas máscaras, assim como de peças de teatro e de tipos humanos.

O ator que se cobre com uma máscara se identifica, na aparência, ou por uma apropriação mágica, com o personagem representado. É um símbolo de identificação.
A insígnia da máscara se presta a cenas dramáticas em contos, peças, filmes, em que a pessoa se identifica a tal ponto com o seu personagem, com a sua máscara, que não consegue mais se desfazer dela, que não é mais capaz de retirá-la; ela se transforma na imagem representada. Se ela se revestiu, por exemplo, da aparência de um demônio, ela finalmente se identificou com ele, ambos se transformaram um no outro. Podem-se imaginar todos os efeitos que são possíveis tirar dessa força de assimilação da máscara.

Concebe-se também que a psicanálise tenha por objetivo arrancar às máscaras de uma pessoa, para colocá-la na presença de sua realidade profunda, nesse sentido, a máscara é o ponto que reveste a aparência da superfície que guarda as portas das sombras que estão internamente guarnecidas com o terror ainda desconhecido. Essa parte é muito trabalhada durante um serviço de autoconhecimento ou terapia, e no primeiro caso alguns bruxos se utilizam dessa finalidade.

Na forma de miniaturas usam-se divindades ou gênios em efígie sobre as roupas ou suspensos nas paredes dos templos. Seria a própria imagem - a mais expressiva porque as máscaras não eram senão rostos - da força sobrenatural com a qual se relaciona o fiel.

Mas talvez aqui cheguemos a uma aproximação com os mitos hindus e chineses do leão, do dragão ou do ogre, que pedem ao deus que os criou vítimas para devorar e que o ouvem responder: alimentai-vos de vós mesmos; eles então se apercebem de que são apenas máscaras, aparência, desejo, apetite insaciável, mas vazios de toda substância.

Às vezes a máscara deixa de ser um mero adereço e passa a se tornar um símbolo de caráter enganoso e na arte essa lição de moral e caráter foi representada com sucesso por Gaston Leroux na criação do musical Le Fantôme de l'Opéra , atingindo sua explosão na Broadway  em 1986, muito bem significado na canção Masquerade durante o decurso da estória. O fantasma se escondia atrás da máscara porque havia aprendido com a sociedade que a queimadura do rosto era um defeito, ou terror sombrio, ao qual não deveria ser mostrado, e passou sua vida desejando ser tratado como um ser humano comum, libertação essa, que quem lhe dá é Christine. Repasso aqui, a tradução da letra:



“Mascarados! Rostos de papel desfilando, Mascarados! Esconda seu rosto, Então o mundo nunca Encontrará você! Mascarados! Todos os rostos em diferente tonalidade, Mascarados! Olhe ao redor. Há uma outra máscara atrás de você! Brilho de malva, Pingo arroxiado, Bobo e rei, Diabo e ganso, Verde e preto, Rainha e padre, Traço de vermelho, Rosto de besta(fera). Rostos... É a sua vez. Dê uma volta no carrossel, Numa corrida desumana! Olho dourado...Coxa azul...Verdadeiro é falso. Quem é quem? Lábio encrespado... Vestido rodado... ás de copas, Rostos de palhaço!
Rostos! Bebam, bebam tudo, Até se afogarem, Na luz...No som...
Mascarados! Amarelos dissimulados, Vermelhos brilhantes, Mascarados!
Escolha o seu, Deixe o espetáculo maravilhar você! Mascarados! Olhares itensos, Cabeças que acompanham Mascarados! Pare e olhe, O mar de sorriso, Ao redor de você! Mascarados! Sombras em ebulição, Mentiras sussurradas... Mascarados! Você pode enganar, Mesmo o amigo que o conheça. Mascarados! Sátiros sorrateiros, Indagantes olhos...
Mascarados! Corra e esconda-se, Mas um rosto o perseguirá”.

(a referência bibliográfica constará na terceira e última parte desse ensaio)

Por Sett Ben Qayin

Um comentário:

  1. Mas que mega pesquisa! Muito legal! Fez-me pensar na máscara que é o sincretismo, ao trazer-me a lembrança de um sonho que tive uns anos atrás. 1 beijão pra vc.

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