A
história humana ultrapassou mais de dois milênios num debate desproporcional
sobre as penas e castigos. Enquanto alguns livres pensadores encontravam a cura
individual na abolição das penas, outros avançaram a favor delas e esse
comportamento é oriundo da dualidade Bem X Mal. Mas devemos apontar a culpa? Se
sim, devemos sequer apontar um culpado? O que fazer depois da culpa? Devemos
condenar os culpados ou proteger os inocentes? O erro é maléfico e
irreconciliável? Alguém aqui tem compromisso com o erro?
Jamais
se pôs em questão duvidosa que, entre as punições a serem infligidas a quem
violou as leis de uma tribo, clã, cidade ou povo, estivesse presente a pena e o
castigo, desejáveis, pensados por um ser humano. Chegou a se cogitar sobre a
rainha das penas, a de morte, inclusive.
Em Gênesis
4:15 temos a seguinte heresia cainita: “Aquele que se atrever a levantar-se
contra Caim, receberá sobre si sete vezes a vingança”.
Mas a
pena e o castigo delibera pela necessidade de vingança, e na vingança é notório
que não há virtude alguma. Eu já vi bruxos enfeitiçando irmãos e outros bruxos
para seus propósitos egoístas e posso bater no peito do orgulho para dizer que
eu nunca precisei fazer isso, apesar de ter cogitado algumas vezes gosto mesmo
é do bom entendimento parlamentar, afinal de contas, pra que serve a consciência
se não for pra usá-la?
Nesse ínterim,
além de termos de nos defender das penas e dos castigos, há que se defender das
vinganças dos egoístas também. A segurança e a justiça às vezes mascaradas de
vingança afetam o corpo coletivo bem diante do nariz, diante de um dos seus
membros que se havia pensado ter-se corrompido.
Disputas
entre covines, as magias de ataque sempre penetram no mais fraco ou mais
indisciplinado dos membros e quando esse membro indisciplinado é um chefe a
responsabilidade aumenta porque o poder que vem de cima pode massacrar os
súditos em caso da magia afetar o “norte” mental desse governo. Então, o que
dizer da direção de um Covine onde os representantes dessa direção são pegos
por um ataque invisível de um certo poodle que foi subjulgado por hubris? Eu já
vi Covens inteiros se destruírem por causa da arrogância de seus líderes em
achar que são superiores e que nenhuma magia seria poderosa o bastante para
dividir o Covine ao meio. Mas....magia pega! E pega até mesmo no mais sábio e
poderoso dos bruxos. Resta limpar o lixo enviado, mas se de alguma forma houver
alguma lição a ser aprendida com essa magia que foi enviada, cabe deixar a
sinceridade falar e ser tão clara e cristalina como a água.
Tomemos
o clássico dos clássicos para os bruxos platônicos, tomemos o primeiro grande livro
sobre leis e justiça de nossa cultura ocidental, as Leis, os Nómol, de Platão.
Platão
escreve sobre democracia sobre uma premissa filosófica. No livro IX, ele dedica
algumas páginas a questão das leis de punição. Ele reconhece que a pena deveria
tornar a pessoa melhor, mas aduz que, se a pessoa for fraca, moralmente fraca,
ou delinquente incurável, a morte será para ele o menor dos males e estabelece
uma gama de leis contra todos os tipos de delitos previstos na época, desde
delitos contra divindades, os cultos, até aqueles contra os genitores e
descendentes, e o voluntariado dos delitos. Ele acolhe a doutrina da
reciprocidade, que versa sobre pagar o que se fez como pena natural. A doutrina
da reciprocidade é pitagórica, bem mais antiga que Platão, e foi muito usada na
idade média e conservada até dias atuais sobre a premissa da famosa expressão
que diz: malum passionis deve
corresponder ao malum actionis. Isso
nunca foi alterado, e foi daí que surgiu a pena de morte em alguns dos países Europeus,
copiado por outros.
Citei
esse contexto para exemplificar ao longo desse artigo, que os Covines platônicos
da era cristã, ou da era de hoje, se pautam em premissas das religiões não
violentas e ajuízam exatamente a favor das punições e isso é contraditório por
natureza.
Mas
pera ai! Já não foi dito que quem pune não liberta? Onde fica o papo de curar?
Não seria a punição uma forma de violência disfarçada de justiça?
Exatamente,
contudo, há casos e casos que cai no merecimento de uma pena de morte, desde
que se pense como um sacrifício para um bem maior.
Algumas
bruxas são contra a pena de morte, mas de forma escondida algumas outras sempre
dão um jeito de fazer um feitiço para matar ou acorrentar alguém, algumas
inclusive desconhecem que existe uma fórmula antídoto para essa punição mágica,
ou desconhece que há alguém além dela mesma que conhece.
Foi na
era cristã que se originou o pensamento de que o grande objetivo do demônio era
o de aprisionar a alma numa grande ilusão (esse pensamento foi desenvolvido oriundo
do mundo antigo hindu onde maya é a ilusão exemplada aqui) num mundo de dor, de
sofrimento e de pecado, e confundi-lo para que ele eventualmente morresse sem
nunca tomar a consciência de que dentro de si há uma alma perfeita e eterna,
que transcende as margens do tempo. Cada pessoa pode apenas libertar sua alma
através de bons atos, que ajudem toda a humanidade a superar as fraquezas e
imperfeições da carne, a partir do particular para o geral. Então o demônio se
tornou o mal, a punição e a morte a ser combatida por outras punições. Se
Lilith é o Divino Espírito Santo, ele está no TODO, não somente nas mulheres, e
esse Divino Espírito Santo liberta, não prende nem pune. Seu poder ‘caótico’ se
estabelece no terror de quem sente o temor. Isso significa que há pessoas nesse
mundo que pune a si mesmo e é nessa premissa que a maldição da penitência começa.
A
imposição da pena de morte não constituía se quer um problema, tanto que até
mesmo as religiões não violentas, do noli resistere malo, com ênfase a religião
que, mormente nos primeiros séculos, levantava o problema da objeção de
consciência militar e à coação de portar armas, a mesma religião que tem por
inspirador e avatar divino um censurado e condenado à morte, execrado com
punição, jamais se pôs substantivamente à técnica da pena basilar.
Uma
das heresias cristãs que é automaticamente contraditória com o conceito cristão
se pauta em afirmar que Deus é perfeito; nada neste mundo é perfeito; portanto,
nada nesse mundo foi feito por Deus.
Foi no
século XVIII que essa questão ganhou amplitude, com o famoso livro de Beccaria (1764).
Essa obra enfrentou a questão olhando-a nos olhos, e ofereceu argumentos pra se
pensar e refletir, muito racionais, dando soluções que contrastava com uma
tradição secular.
A
finalidade da pena e do castigo, não tinha outra senão intimidar e impedir o acusado
de causar novos danos, afinal a sociedade teme que o acusado cause estragos
maiores, revelando assim a fraqueza da sociedade ou a falha no comprometimento
e educação dos valores éticos e morais.
Beccaria
postula o princípio intitulado “Doçura das Penas”, onde expõe que um dos
maiores freios contra os delitos não é a crueldade das penas, mas a
infalibilidade dessas, e conseguinte, a vigilância dos magistrados e a
imparcialidade de um juízo que serve a virtude, para acompanhar uma regra ou
lei doce. Não é necessário que as penas sejam cruéis para serem dissuasórias,
bastando que sejam certas.
A fidúcia
de que se será punido é mais significante do que a certeza da severidade da
punição, e isso constitui lá dentro da mente do acusado um efeito devastador,
para não dizer transformador. A intimidação da punição nasce não da intensidade
dela, mas de sua extensão que priva sua liberdade, como foi o exemplo da prisão
perpétua, um modo de punição privativa de liberdade, onde a pena de morte nesse
caso seria libertação total.
Punições
com morte não são nem útil nem necessária, além de diplomar a incapacidade do
punidor em curar o acusado, dele mesmo e do resto do mundo. O
sucesso e a capacidade esplêndida da maior virtude platônica está, em recuperar
o bem, o ânimo, o valor e a equidade.
Sabemos
que toda troca, toda compra, toda negociação é um tipo de contrato. Beccaria
expõe novamente sobre os argumentos contratualistas quando deriva da teoria do
Contrato Social. Esse contrato alude a origem convencional da sociedade, bem
como a troca, ou a compra e venda feita por boca, sem papel assinado é um
contrato legítimo e reconhecidamente mundial. Esses são os contratos verbais,
muito usados em bruxaria, tanto em negócios bruxos inter-vivos, quanto na “compra”
de um favor de um espírito. Mas o que quero dizer com isso é: ISSO TUDO É
POLÍTICA!
Tudo
que se refere a interesses são política e politicagem, seja em democracia,
teocracia ou monarquia. A sociedade interessada, aqui também chamada de
sociedade política, ou como preferirem “Covine”, “Irmandade” ou “Ordem Mágica”,
deriva de um acordo dos indivíduos que renunciam a viver em estado de natureza
solitária, e criam regras ou até mesmo leis, para se protegerem ou conviverem
reciprocamente. Tais indivíduos colocam a disposição de seus semelhantes também
o direito à vida e a liberdade como forma de cura, evolução e progresso
virtuoso.
Toda
forma de governo é uma organização onde os governantes se contratam a uma
unidade política, no poder de regrar a unidade política. Esse contrato nasce
com a aprovação da maioria, onde os membros da irmandade ou Covine aceitam ser
liderados por tal pessoa. Não raro, algumas pessoas sempre chegam de mansinho e
depois tomam uma postura radical, se esquecendo de que um rei ou rainha não
comandam reinos sem povos.
A
expulsão, exílio ou banimento, recai na vergonha da fraqueza do governante ao
se diplomar no fracasso em transformar a punição em recuperação da virtude e
essa conduta é assumida por todos os governantes que teve historicamente um
interesse em controlar pessoas.
Isso é
notado tanto nos Covines de Xadrez, quanto nos Covines do Chaturanga. No primeiro
o governo está nas mãos da mulher, e no segundo o governo está nas mãos do
homem. Esse último é a forma tradicional e mais antiga de administração de um
Covine, desde que a monarquia se inspirou no jogo que é o pai do Xadrez.
O que
importa saber é que até o século XVIII o sistema absolutista estava nas mãos do
monarca, com poderes ilimitados para comandar a família real.
Ainda
na monarquia da idade média, quando ainda se acreditava que a origem desse
poder era divino, que provinha da vontade de Deus, mas que esse direito deixava
de ser dado diretamente ao rei e sim confiado ao povo, que era ele que o
conferia depois ao monarca. O que diferia nas várias monarquias é que divergia
a natureza dessa transmissão. A entrega inalienável e sem volta do poder do rei
foi a opção encontrada para o surgimento do absolutismo real e de modo
diferente, a da “mera” delegação no rei, avocável, deram fundamento à doutrina
do poder popular real por escolha nos seus órgãos próprios.
A
monarquia tradicional é a monarquia absolutista, onde o rei obtem poder
limitado pelas cortes e por outros órgãos de soberania a ele vinculados por
contrato, linhagem, respeito mútuo, e a concessão de finalidade ao provimento.
Um
exemplo clássico foi o da Inglaterra de Henrique VIII até a Revolução de 1688,
a qual passou de monarquia absolutista para monarquia parlamentar. A Austria já
foi absolutista. Do lado asiático o exemplo vem com o Império Otomano da
Turquia. Nomeadamente existem monarquias absolutas no mundo árabe, embora por
vezes mais atenuadas e com um pouco mais de distribuição do poder.
O fato
é que seja na monarquia ou seja na democracia, a irreversibilidade dos erros dos
magistrados sempre ficam sem punição. Séculos se passam e a punição ainda é
algo que quem sofre é sempre o povo, nunca o governo.
Montesquieu
já dizia: “embora as penalidades aplicadas no Japão fossem atrozes, o Japão era
um país de criminosos.
Os
seres humanos estão longe de compreender os desígnios divinos, e alguns bruxos
e bruxas não parecem ser diferentes. Insistir em continuar ao lado ou a favor desses
indivíduos que se acham “os escolhidos” ou “os mais privilegiados”, é insistir
no suplício da paixão, e nada tem a ver com virtude e humildade.
Um
autor inglês do século XVIII, citado por Foucault, escreve que a morte-suplício
é a arte de conservar a vida no sofrimento, subdividindo-a em mil mortes e
obtendo-se – antes que cesse a existência – as mais refinadas agonias.
É
preciso contemplar que Deus é infinitamente grande, e é impossível um ser
humano “pecar” contra ele. Não cabe punição onde tudo é nobre, pois se errar é
humano, errar é divino, haja vista que é pelo erro que se chega ao perdão – o sentimento
mais divino que existe junto ao amor e a consciência.
Sett Ben Qayin
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