quarta-feira, 12 de março de 2014

O ADVERSÁRIO


Este artigo foi originalmente publicado na revista The Cauldron, edição IX na primavera de 2006. É reproduzido aqui com autorização expressa dada ao Sett Ben Qayin na mesma época. 

William Blake's illustration of Lucifer as presented in John Milton's Paradise Lost


Esperamos que a maior parte de nossos leitores sejam adultos o suficiente para perceber que Lúcifer, o Portador da Luz, ou Lord Lumiel, como é conhecido na tradição esotérica, não é o Satanás Cristão, embora seus mitos se sobreponham e tenham sido confundidos através das eras. Aqueles que não podem aceitar esta premissa façam o favor de não seguir adiante na leitura deste artigo, pois ele não é para você. O mito da expulsão de Lúcifer do Céu dada à recusa em se curvar para criação de Yahweh, Adão, foi distorcido pelas primeiras Igrejas. Eles costumavam criar um truque satânico para assustar o povo rural que ainda adorava os Deuses Antigos para convertê-los e controlar seus próprios seguidores através do medo.

No relato bíblico a revolta de Lord Lumiel contra Yahweh, foi derrotada por um exército angelical comandado pelo Arcanjo Miguel ou Michael na Batalha do Céu. Como resultado, Lumiel e seus anjos rebeldes - agora designados como 'anjos caídos' – foram lançados para baixo. Lumiel- Lúcifer, que havia sido o Logos Solar, se tornou o regente planetário da Terra ou Senhor do Mundo (Rex Mundi) e o Senhor Miguel o substituiu como arcanjo do sol.

Em um recente artigo escrito pela bruxa tradicional australiana Rosaleen Norton, publicado na revista Dragonswood (Samhain/Yule 2005), a Dra. Marguerite Johnson da Escola de Humanidades na Universidade de Newcastle, Austrália, disse o seguinte ao mencionar a devoção de Rosaleen à Lúcifer: 'Na lenda Judaica, Sammael [sic], o gêmeo do arcanjo Miguel criticou a criação de Deus, a humanidade, e foi banido do Céu. Enviado para atormentar seu povo [meu sublinhando], ele adotou o nome de Lúcifer, e travou uma guerra constante conosco. Devido ao interesse de Rosaleen em Kabbalah, não é surpreendente que sua interpretação da figura seja similar à herança Judaica como oposta à Cristã. Em uma versão da sabedoria Cabalística, Lúcifer é ligado à humanidade desde que ambos experimentaram uma queda; ele, do Céu e nós, do Paraíso. Rosaleen retratou Lúcifer de acordo com sua mitologia, não o adorando como o Diabo, mas reconhecendo-o como o adversário do gênero humano. Ele nos relembra da razão de estarmos aqui e assim atua como uma medida psíquica de redução do ego.’

Os comentários da Dra. Marguerite Johnson, de que Lúcifer haveria caído para a Terra para 'atormentar seu povo' e de que ele teria 'travado uma guerra constante conosco' inocentemente compra a propaganda da Igreja, confundindo o Portador da Luz com o Satanás Cristão. Isto é ligeiramente reclamado através de sua referência a uma versão do mito Cabalístico que liga Lord Lumiel à expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden. Esta relação é fortalecida pelo fato de que a serpente no mito edênico era Lord Lumiel disfarçado. Seu objetivo era o de iluminar os primeiros humanos para a verdadeira natureza do universo, que deliberadamente estava sendo bloqueada deles por Yahweh. Como Lord Lumiel busca a redenção e restauração de seu legítimo lugar na ordem cósmica, da mesma forma os humanos que despertaram do sono do materialismo em busca da evolução espiritual para escapar do ciclo da morte e renascimento e alcançar a união com o Godhead (N.T.: literalmente, Cabeça de Deus) – a meta última do caminho mágico.

É ensinado na tradição Luciferiana de que assim como a humanidade evolui (lenta e dolorosamente), da mesma forma Lord Lumiel passa por fases de redenção. Para ajudar neste processo, ele e seus leais anjos guiam e ensinam humanos selecionados que são simpatizantes da sua mensagem. O Portador da Luz também toma periodicamente formas humanas e encarna na Terra como um avatar, para acelerar a evolução da raça humana. Isto está simbolicamente refletido no antigo mito do “rei divino”, tão amado aos modernos neo-pagãos, embora poucos - se é que algum deles - possa entender seu significado esotérico como ensinado na tradição Luciferiana.

A Dra. Marguerite também menciona a crença de que Samael/Lumiel era o irmão gêmeo de Miguel. Em um artigo na revista Inner Light (Equinócio de Outono, 2005), um dos correntes membros da Society of the Inner Light, Paul Dunne, compara Miguel a Cristo - e com Lúcifer. Ele afirma: 'Quem é Lúcifer senão o irmão angelical de Cristo?' Ele adiciona que Jesus, Miguel e Lúcifer são os Arcanjos Ben Elohim ou 'Filhos de Deus'. O Cristo e Lúcifer ele declara 'representar as Potências Cósmicas que estão envolvidas em uma Guerra Eterna que ocorre sobre a Terra, dentre os Céus. Esta guerra é refletida dentro de aspectos correspondentes ao homem e à mulher na Terra. O homem e mulher são compostos de Potências Opostas da Guerra Divina.' (Talvez, esta seja, consequentemente a tal batalha dos sexos? Não se preocupem senhoras, Lúcifer está a seu lado. Afinal ele ensinou Eva, e não aquele trapalhão do Adão!). Esta identificação do Cristo com Lord Lumiel é significativa. Nos anos 50 e 60, minha primeira professora de ocultismo, Madeline Montalban, fundadora da Order of the Morning Star, ensinava aos seus estudantes avançados de que Jesus era um do avatares de Lumiel. Esta é a razão do livro bíblico O Livro das Revelações ser descrito como “o brilho e a estrela matutina”, um dos símbolos de Lúcifer.

Paul Dunne também parece aceitar a versão Cristã de Lúcifer como um ser do mal e o vê como a representação do baixo self. Isto é, de fato, uma completa distorção dos princípios Luciferianos. Lord Lumiel como o Portador da Luz representa as metas da liberdade dos instintos básicos de nosso self animal e primitivo, o alcance da gnose (conhecimento divino) e em última instância, esclarecimento espiritual. Como o Senhor do Mundo, ele está intimamente conectado com o progresso, em todos os níveis, da espécie humana e do nosso destino neste planeta. Só através dos nossos esforços ele pode alcançar redenção e restauração.

A Dra. Marguerite Johnson se refere ao papel de Lúcifer como um adversário do gênero humano. Novamente, isto é um conceito aberto à incompreensão feita por aqueles que possuem nem tão discretas intenções de enegrecer o nome do arcanjo rebelde. A definição da palavra no dicionário é 'oponente, antagonista, inimigo' e é ligada ao significado adverso de 'expressando oposição ou antítese'. Lord Lumiel não é o inimigo dos humanos, mas naquele contexto específico ele é o adversário de Yahweh. Pela recusa de curvar-se ao ser humano mortal porque ele (Lumiel) era angelical e um 'Filho de Deus', ele se opôs ao desejo de um deus tirânico do Velho Testamento, e deste modo, se tornou um inimigo da ordem cósmica. Na tradição Luciferiana, Lord Lumiel, como o adversário ou oponente, é visto de um modo totalmente diferente. Ele desafia os preconceitos, a ignorância e falsas crenças dos homens e mulheres, para que assim eles possam literalmente, ver a luz. Portanto o Portador da Luz guia os indivíduos ao caminho da gnose sem a intervenção de um sacerdócio. No culto de bruxaria medieval isto era simbolicamente representado pela tocha incandescente entre os chifres do Bode do Sabbath.


Este papel de adversário pode ser visto no Velho Testamento, onde uma ordem de anjos conhecidos como 'satans' (de onde a Igreja conseguiu o nome singular 'Satanás’ para o princípio supremo do mal, o qual obteve emprestado da heresia dos Maniqueístas), que são empregados por Yahweh para tentar e testar seus teimosos seguidores. Um exemplo clássico deste processo é registrado no Livro de Jó. No Novo Testamento um destes satans, agora identificado com o Satanás, visitas Jesus no deserto e o tenta. Ele oferece a Jesus o mundo, tradicionalmente a criação de Deus, e ele só poderia fazer isto se ele fosse o Senhor do Mundo. Se nós aceitarmos que Jesus foi uma encarnação de Lúcifer, então ele está desempenhando o papel de adversário contra ele mesmo, no último teste.

Lumiel-Lúcifer como o adversário não é uma figura sinistra ou do mal, que 'atormenta' as pessoas ou que guerreia contra a humanidade. Ao invés disto ele é o Portador da Luz que oferece esclarecimento e iluminação para aqueles que o veneram. Sua rebelião contra o falso deus tirano pode então ser vista como parte do plano divino para o universo. Certamente ele não tem nada a ver com o princípio imaginário do mal cósmico inventado pela Igreja para controlar e reprimir as massas. Infelizmente por séculos, a natureza verdadeira de Lúcifer foi obscurecida e humilhada pela superstição e ignorância. No princípio do século XXI, quando há a ameaça de destruição de nosso planeta pelas forças anti-Luciferianas do materialismo, o tempo é certo para que sua luz brilhe uma vez mais.

Leitura adicional: The Pillars of Tubal Cain, de Nigel Jackson & Michael Howard e The Book of Fallen Angels, de Michael Howard, ambos publicados pela Capall Bann do Reino Unido, que são guias modernos e completos para a tradição Luciferiana.


Por Michael Howard

Nota Biográfica: O escritor tem sido o editor da The Cauldron desde 1976 e escreveu mais de vinte livros sobre runas, medicina herbanária, folclore, magia e Mistérios da Terra. Ele era um membro da Order of the Morning Star e iniciado na Wicca Gardneriana nos anos 60. Ele também foi iniciado no clã de bruxaria tradicional conhecido exteriormente como Cultus Sabbati.



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